Euclydes da Cunha sabia de traição, escreveu sua mulher em manuscrito

A menina de 14 anos, recém-saída da escola, estava animada com a perspectiva de ganhar casa nova, vestidos e presentes que viriam com o casamento com um jovem jornalista dez anos mais velho. Para a lua de mel, levou a boneca favorita.

CRISTINA GRILLO

O desespero com o “ímpeto carnal” do marido na noite de núpcias, o choro, o pedido para ser levada de volta para a casa dos pais, o destempero do homem que a chamava de “vaca”, os vestidos rasgados por ele são descritos num manuscrito, cuja existência era desconhecida, de Anna Emília Ribeiro de Assis.

“Se soubesse que o casamento consistia em um acto tão impudico quanto violente e repugnante, não me teria casado”, escreveu.

Anna de Assis foi o pivô de um dos casos mais rumorosos do início do século 20. Casou-se com Euclydes da Cunha (1866-1909), autor do épico “Os Sertões”; separou-se para viver com o cadete Dilermando de Assis, 13 anos mais novo.

Euclydes confrontou o rival. Foi morto. Sete anos depois, tentando vingar a morte do pai, um dos filhos de Euclydes e Anna, Euclydes da Cunha Filho, também foi morto por Dilermando —segundo registros, por acidente.

Anna de Assis abre seu relato de 45 páginas afirmando “cumprir com um sagrado dever e dar desencargo à minha consciência e tranquilidade ao meu espírito, dizendo que de nós três: Euclydes, Dilermando e eu, três criminosos, o mais responsável sou eu”.

Anna de Assis conta ainda que, durante quatro anos, Euclydes soube de seu relacionamento com Dilermando e que, por três vezes, ela tinha saído de casa para viver com o cadete, voltando sob ameaças do escritor, que não lhe concedia o divórcio e ameaçava tomar-lhe os filhos.

“Isso é uma novidade, pois acreditávamos que ele tinha sido morto ao surpreender meus avós juntos”, diz a terapeuta Anna Sharp, 73, neta de Anna e Dilermando.

O documento, intitulado “O Caso do Homicídio de Euclides da Cunha por Dilermando de Assis – Exposição e Narrativa dos Fatos Feitos por Escrito do Próprio Punho da Mulher da Vítima”, foi entregue há uma semana a Sharp por Luís Henrique de Oliveira, bisneto de Gregório Garcia Seabra Júnior, advogado de Dilermando. A descoberta foi revelada no site da colunista do Portal iG Lu Lacerda.

“Ainda estou em estado de choque. É o único manuscrito existente de minha avó”, disse Sharp. Há cinco anos, a terapeuta tinha parado de escrever “Vozes do Passado”, sua versão para a história da família, a pedido das irmãs que preferiam “deixar os mortos em paz”.

 

 

 

Fonte: Folha de São Paulo

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