Europeus falam ao R7 sobre a falta de emprego e a crise que há anos ameaça o continente

Europeus falam ao R7 sobre a falta de emprego e a crise que há anos ameaça o continente

A taxa de suicídio na Europa aumentou 4,2% em decorrência ao desemprego 

A crise financeira que atingiu a Europa em 2010 trouxe à tona os gastos excessivos de alguns países europeus. Grécia, Portugal, Itália e Espanha eram alguns dos que, há tempos, gastavam mais do que arrecadavam, sendo obrigados a recorrer, frequentemente, a empréstimos para honrar dívidas urgentes.

Apesar de a União Europeia ter sido socorrida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) na tentativa de recuperar as nações mais afetadas, o fantasma da perspectiva de pobreza continua rondando o continente. Especialistas e europeus ouvidos pelo R7 contam sobre as incertezas do futuro que têm refletido no aumento dos casos de suicídio.

Segundo o estudo divulgado pelo British Medical Journal, uma das principais publicações de assuntos médicos no mundo, o número de suicídios aumentou 4,2% depois do começo da crise. Acredita-se que o alto índice de desemprego (cerca de 26% na Espanha e 13% na Itália, segundo o Eurostat, órgão que regulamenta os dados econômicos) seja a grande motivação para as mortes.

De acordo com a Eures (rede responsável pela mobilidade de trabalho na União Europeia), o número de suicídio de pessoas que tinham um emprego e o perderam cresceu 44,7% nos países da região, desde a crise até 2014. A ONG britânica Samaritans, que cuida de potenciais suicidas, fez um levantamento que apontou que, durante a crise, uma a cada seis pessoas falava sobre suas dificuldades financeiras durante ligações comuns. Além disso, de acordo com um estudo de 2009 de um importante sociólogo dinamarquês, Esping-Andersen, um quinto dos jovens europeus está diante da real possibilidade de ter uma velhice pobre.

Para o professor doutor do Senac/SP, especialista em política internacional e psicanalista, Alex Peloggia, a Europa contemporânea busca novas organizações políticas e econômicas, hoje representadas pela CEE (Comunidade Econômica Europeia) e pela UE (União Europeia) em um processo ainda bastante incompleto. “Não há uma política externa comum, nem sequer concordância entre posições diplomáticas. Há outras limitações de natureza geopolítica que influenciam o ‘poder de pressão’ europeu nas questões diplomáticas internacionais”, explica. Para ele, a “Velha Europa”, apesar de ainda ser muito importante e influente, foi superada há muito tempo como centro da política internacional.

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Peloggia explica que a possibilidade da depreciação do “Estado de bem-estar social” contribui para o aumento do número de suicídios. “As pessoas reagem lançando mão de mecanismos de defesa psíquicos que visam à manutenção da integridade de seus próprios egos. Todavia, nem sempre eles são efetivos, e estados de melancolia e depressão socialmente condicionados surgem pela falta de perspectiva de emprego”.

Veronica Blasioli, 27, é formada em ciências biológicas pela Universidade Roma Tre, na Itália, e está desempregada há dois anos. Para ela, a crise está relacionada à união de países diferentes, com economias, línguas, moedas, tradições e valores diferentes. “A criação da União Europeia fortaleceu ainda mais os países europeus mais consolidados”, como o caso da Alemanha, que continua sendo a maior economia da Europa, apesar da crise.

O desemprego de jovens italianos registrou um recorde negativo no mês de junho, com 43,7%, de acordo com o Istat, Instituto de Estatística Italiano. No país, cerca de 701 mil jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. O Istat divulgou na última quarta-feira (6) que o país entrou em recessão pela terceira vez desde 2008, com a queda de 0,2% do PIB só entre abril e junho deste ano.

Cristian Ciccone, 33, cidadão italiano, afirma que a criação da UE beneficiou poucas nações do norte europeu e penalizou os países do sul, as “nações mediterrâneas”. “A crise deu de presente aos jovens alguns anos de trabalho precário”, ironiza.

O professor e mestre em Economia Política e pesquisador de longevidade populacional da PUC/SP, Jorge Félix, explica que a situação da Europa também diz respeito à transição da economia de indústria para a de serviço. “Com a crise financeira, a economia não absorve a mão de obra disponível e penaliza duas pontas: os jovens e os velhos”.

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O caso de Veronica é um exemplo da opinião de Peloggia. Ela explica que a crise financeira repercute na vida dela no sentido financeiro, pessoal e até emotivo. “Não tem trabalho, e às vezes, há a possibilidade de trabalhar em uma área diferente daquela em que se especializou. Sem o salário, não posso comprar uma casa, um carro, formar uma família ou ser independente dos meus pais ou marido. E não poder realizar os meus objetivos e sonhos me leva a um estado de depressão”, conta.

Alexandre Souza, 40, brasileiro, mora em Barcelona, na Espanha, há cinco anos. Vítima da crise, ele diz já ter visto pessoas revirando lixo, procurando coisas para vender e comer, e que pensa em deixar o país o mais rápido possível. Ele também diz que jamais levaria sua filha brasileira para morar com ele. “Eu mesmo já penso em voltar”, comenta. Veronica concorda e afirma que “se a situação piorar”, vai para outro país.

Europa superada

Na falta de perspectiva para o fim da crise econômica na Europa, muitos europeus afirmam que países emergentes são os melhores lugares para se viver, quando se leva em conta a oferta de emprego. Para Ciccone, países europeus serão superados por países em desenvolvimento, mas só em alguns casos. “A Alemanha, por exemplo, é muito superior a tudo isso e em relação a todos”. Já Veronica diz que, apesar da crise, os países europeus oferecem um “bem-estar social” que poucos países emergentes têm. “Muitas vezes os países emergentes aumentam o poder e a riqueza de poucos enquanto o bem-estar da maior parte da população não aumenta”.

Já o professor Peloggia atenta que é provável que a crise econômica na Europa seja mais uma das crises cíclicas do capital, que, apesar de ser um fenômeno de longa duração, é superada com a reorganização do sistema capitalista. “A dinâmica do sistema tem migrado, nas últimas décadas, para fora do eixo EUA-Europa-Japão”, comenta ele, mas relembra que trata-se de uma política interdependente. “O crescimento dos países emergentes se faz em boa parte com capitais dos antigos ‘países centrais’, como a Europa e os Estados Unidos”.

Félix acredita que podemos esperar ainda uma reviravolta da Europa. “A gente não sabe o quanto a Europa vai ser agressiva na reação pra manter seu padrão de vida, porque eles não vão empobrecer calados. A população é esclarecida, educada, sabe e tem consciência de si mesmo”. Para ele, toda essa consciência gera e vai gerar ainda mais movimentações violentas em todos os países.

* Bruna Vichi

Fonte: R7

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