Fonte: Jornal Hoje –
Teólogo, artista plástico e, a contragosto, ex-gari. José Merilho, 44, denuncia que há três anos vem sendo perseguido, punido e humilhado no trabalho pelo fato de ser negro. Merilho, até o último dia 16, era servidor da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), mas reclama que foi demitido por causa da maldade de seus superiores. O caso foi denunciado no Ministério Público do Trabalho (MPT) e na Polícia Civil (PC). Conforme Merilho, seus chefes já disseram que não gostam de trabalhar com negros, por que sempre dão trabalho. “Tive de escutar várias vezes que eu era um negro safado e preguiçoso.”
O gari teólogo afirma ser perseguido pelos gerentes do ponto de apoio, bem como pelo chefe-geral, Pedro José Nunes. Segundo Merilho, a perseguição gratuita resultou na redação de documentos internos com dados inverídicos, os quais foram encaminhados para a diretoria da Comurg no intuito de afastá-lo da função. O artista plástico garante que seus colegas de trabalho foram induzidos e interpelados a assinarem tais documentos, por falta de conhecimento. “No dia 3 de setembro, fui impedido de trabalhar. Itamar e Vilmar mandaram ficar sentado o expediente inteiro ao lado do relógio de ponto, ouvindo-os fazerem piadas com a minha cara”, acusa.
Por se orgulhar de ser gari, Merilho já foi destaque da imprensa regional, inclusive no HOJE. “Cada vez que apareço na imprensa é uma nova retaliação, parece que incomoda. Já fui até proibido de dar entrevistas”, lamenta. O teólogo assegura que sempre respeitou seus colegas de trabalho e não era um funcionário faltoso. “O que acontece na Comurg é um verdadeiro abuso de poder e manobras políticas.” De acordo com Merilho, quem trabalha como gari e tem sede por conhecimentos e estudos são ameaças àqueles que ocupam cargos de supervisão. “Fui assediado moralmente, além de ter sido vítima de preconceito racial”, constata.
CUSPARADA
História semelhante foi vivida pelo gari Ibraim Lopes Dias, 44, demitido duas vezes da Comurg. “Eles forjam documentos e não dão direito de defesa. Uma vez fizeram uma colega registrar queixa na polícia como se eu tivesse cuspido na cara dela. Aí anexaram o boletim de ocorrência internamente e depois retiraram a queixa na polícia.” Conforme Dias, os chefes o acusavam de ser preguiçoso e espalhar discórdia. Sobre o caso Merilho, o colega de trabalho disse que já testemunhou ocasiões em que ele foi xingado de preto e alvo de chacota. “Sou prova da perseguição que existe contra José Merilho. Isso aconteceu comigo, com ele, e vai acontecer com outras pessoas”, alerta o ex-funcionário.
Em nota, a assessoria de imprensa da Comurg informou que, conforme consta no Processo nº 38726226, Merilho era indisciplinado. Ainda na nota, foi exposto que todas as oportunidades foram dadas ao servidor, mas não houve resposta positiva.
‘O PRECONCEITO É PURA MALDADE’
No Ministério Público do Trabalho, desde 2004, foram instaurados 25 processos que abordam questões relacionadas à discriminação de raça e cor. A Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SRTE-GO) não registrou nenhuma denúncia de preconceito racial neste ano, mas 59 mediações foram feitas por assédio moral.
O coordenador da Comissão Regional de Igualdade de Oportunidade da SRTE-GO, Roberto Polastri Vieira, explica que o preconceito racial é um resquício de ignorância que se arrasta desde a época da colonização, quando brancos europeus eram considerados raça superior e negros eram estereotipados como pessoas sem inteligência.
O preconceito racial, para Vieira, é ainda pior que o assédio moral. “São violações dos direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos. O preconceito é pura maldade.” De acordo com o coordenador, o assédio moral é uma das formas de o empregador pressionar o trabalhador a pedir as contas e desestabilizar no trabalho de forma pessoal, moral e psíquica.
Vieira ressalta que todos os dois casos devem ser denunciados na Delegacia do Trabalho para que a melhor solução de conflito seja mediada. A Delegacia do Trabalho fica na Avenida 85, 887, 4º andar. Mais informações pelo
telefone 62 3227 7042.
Consequências
A psicóloga Karina Mesquita de Carvalho, especialista em Gestão de Pessoas, destaca que a vítima de preconceito pode ter sua auto-estima comprometida, resultando em sérias patologias, como depressão, transtornos e insegurança nos relacionamentos. “É interessante que a vítima busque ajuda. Uma boa solução é procurar na comunidade movimentos sociais relacionados ao preconceito sofrido e ser um militante”, sugere. (E.F.)
Materia original