Falta de dados oficiais sobre candidaturas LGBTQIA+ trava participação eleitoral

Levantamento pode ajudar na criação de regras para aumentar representatividade dessa fatia

A falta de dados oficiais sobre candidatos LGBTQIA+ dificulta a criação de regras que incentivem a participação política dessa parcela da sociedade nos espaços de poder.

Assim como o mecanismo de distribuição de recursos do fundo eleitoral para mulheres e negros, iniciativas semelhantes para candidaturas de pessoas LGBTQIA+ são primordiais para melhorar a representatividade na política, de acordo com candidatos e especialistas ouvidos pela Folha.

Atualmente, informações sobre postulantes dessa fatia são coletadas por organizações da sociedade civil, já que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não tem levantamentos oficiais sobre o grupo.

Entre elas está a VoteLGBT, que desde 2014 visa ao aumento da representatividade dessa população na política. Segundo o último mapeamento realizado pela entidade, 254 candidaturas foram registradas na Justiça Eleitoral para o pleito deste ano, um recorde desde que a organização passou a coletar os dados.

Em 2018, foram contabilizadas 157 candidaturas, e apenas 11 foram eleitas. Mas os números podem estar subestimados.

Além da falta de informações oficiais, nem todas as pessoas que entram na corrida eleitoral estão dispostas a divulgar essa parte dos seus dados. Entre os vários motivos para a cautela está a preocupação com a exposição diante do preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ no Brasil.

Segundo Evorah Cardoso, pesquisadora e integrante do VoteLGBT, a declaração da identidade de gênero e da orientação sexual à Justiça Eleitoral deveria estar disponível para quem quiser informar.

“Seja para disputar a política a partir de sua identidade, seja para termos dados oficiais sobre quem somos, seja para disputarmos políticas por representatividade LGBT+ nas eleições brasileiras”, afirma.

O tema foi abordado em encontro com o TSE em julho, ainda na gestão do ministro Edson Fachin. À época, a corte recebeu representantes da Associação Mais LGBT, que entregou o “Relatório Política LGBT”.

Em nota, o TSE afirmou que, “após essa reunião e munidos do relatório, o Núcleo de Inclusão e Diversidade da Secretaria-Geral da Presidência abriu um procedimento para verificar junto às demais unidades do TSE a possibilidade e a viabilidade de atendimento às demandas apresentadas”.

“No entanto, como estamos com o pleito eleitoral em andamento, não avançamos nessas questões por ora. Mas essa discussão seguirá em pauta para ver quais são os caminhos possíveis, e será estreitado o diálogo sobre as causas LGBT para melhor serem atendidas as especificidades no processo eleitoral.”

Para João Filipe Araújo Cruz, doutorando em sociologia pela USP e pesquisador da relação entre movimento LGBT e representação política, o compromisso do TSE é fundamental para que esse tipo de informação seja colhido pelo Estado de forma mais sistemática, embasando assim políticas eleitorais.

Fernanda Curti (PT-SP), candidata a deputada federal, defende a participação de pessoas LGBTQIA+ na política como um ponto de manutenção da democracia. “Estamos rompendo os limites da construção sexista, racista e LGBTfóbica, de impedir a gente de participar desses espaços. É um caminho sem volta”.

A eleição de candidatos LGBTQIA+ pode, claro, ajudar a garantir os direitos dessa parcela da população. As pautas dos postulantes perpassam várias áreas, de adoção, criminalização da LGBTfobia, casamento homoafetivo, geração de trabalho e renda até a humanização no atendimento em delegacias.

Mas não são só de propostas voltadas à comunidade que se ocupam essas candidaturas.

“A comunidade não quer ficar falando só das pautas que dizem respeito a essas questões identitárias, queremos participar da construção de um país, dos debates nacionais, das políticas públicas que fazem parte da vida de qualquer cidadão”, afirma Matheus Ribeiro (PSDB-GO), candidato a deputado federal.

O aumento que essas candidaturas vêm obtendo ao longo das últimas eleições se deve ao capital político e simbólico que elas carregam e, também, ao êxito nas urnas de algumas delas, o que estimula outras.

A chegada das parlamentares Erica Malunguinho (PSOL) à Assembleia Legislativa paulista e Erika Hilton (PSOL) à Câmara de Vereadores de São Paulo —ambas com mais de 50 mil votos— representou a eleição das primeiras mulheres transexuais para as suas respectivas Casas Legislativas.

Apesar do crescimento do número de candidaturas de pessoas LGBTQIA+, vencer pleitos ainda é um desafio. “Há uma grande resistência dentro dos partidos em fomentar as nossas candidaturas”, afirma Gregory Rodrigues (PDT-MG), candidato a deputado estadual.

Outro desafio é o de se manter no exercício do cargo, já que políticos LGBTQIA+ estão mais suscetíveis a violência política, que se dá entre seus pares nos legislativos e até dentro do próprio partido.

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