Feminicí­dio

Feminicí­dio: O que é

“O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”,
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)

Da Agência Patricia Galvão 

Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro.

“O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Seu caráter violento evidencia a predominância de relações de gênero hierárquicas e desiguais. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural de subordinação que foi aprendido ao longo de gerações”. Lourdes Bandeira, socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília. (Leia mais)

Feminicídio: Em que contextos acontece

No Brasil, o cenário que mais preocupa é o do feminicídio cometido por parceiro íntimo, em contexto de violência doméstica e familiar, e que geralmente é precedido por outras formas de violência e, portanto, poderia ser evitado.

Trata-se de um problema global, que se apresenta com poucas variações em diferentes sociedades e culturas e se caracteriza como crime de gênero ao carregar traços como ódio, que exige a destruição da vítima, e também pode ser combinado com as práticas da violência sexual, tortura e/ou mutilação da vítima antes ou depois do assassinato.

“Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.” Eleonora Menicucci, ministra chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência (SPM-PR)

Feminicídio: O que diz a lei brasileira

O crime de feminicídio íntimo está previsto na legislação desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolve: “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Os parâmetros que definem a violência doméstica contra a mulher, por sua vez, estão estabelecidos pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) desde 2006: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de orientação sexual.

A Lei de Feminicídio foi criada a partir de uma recomendação da CPMI que investigou a violência contra as mulheresnos Estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013.

É importante lembrar que, ao incluir no Código Penal o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.

Feminicí­dio no Brasil

Com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso).

“Essa situação equivale a um estado de guerra civil permanente.” Lourdes Bandeira, socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília.

A realidade pode ser ainda pior do que o cenário expresso pelos números de assassinatos de mulheres levantados em algumas pesquisas de vitimização. Por falta de um tipo penal específico até pouco tempo, ou de protocolos que obriguem a clara designação do assassinato de uma mulher neste contexto discriminatório em grande parte da rede de Saúde ou da Segurança Pública, o feminicídio ainda conta com poucas estatísticas que apontem sua real dimensão no País.

O Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) é uma referência sobre o tema e revelou que, entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. Somente em 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres registrados no Brasil – ou seja, aproximadamente 13 homicídios femininos diários.

Além de grave, esse número vem aumentando – de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% na década.

O Ipea também levantou dados sobre os homicídios de mulheres e produziu um mapa que revela quais são os Estados brasileiros onde mais se matam mulheres.

Feminicídio íntimo

O Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) mostra ainda o peso da violência doméstica e familiar nas altas taxas de mortes violentas de mulheres. Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta ainda que a residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% dos casos, o que indica que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres.

“O feminicídio íntimo é um contínuo de violência. Antes de ser assassinada a mulher já passou por todo o ciclo de violência, na maior parte das vezes, e já vinha sofrendo muito tempo antes. A maioria dos crimes ocorre quando a mulher quer deixar o relacionamento e o homem não aceita a sua não subserviência. Este é um problema muito sério.” Adriana Ramos de Mello, juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Assim, diferentemente de outros países da América Latina, em que o homicídio associado à violência sexual por gangues ou desconhecidos é o mais preocupante, no Brasil, uma parcela significativa desses homicídios é praticada por alguém que manteve ou mantém uma relação de afeto com a vítima.

“Se observarmos os dados disponíveis sobre os homicídios de mulheres, como o Mapa da Violência e o Dossiê Mulher do Rio de Janeiro, vamos ver que os crimes em família têm uma característica feminina. O número de mortes de mulheres por pessoas que não são da sua intimidade é bastante inferior ao dos homicídios praticados no espaço doméstico. Da mesma forma, a grande maioria das vítimas de estupro são mulheres e o peso da violência sexual contra as mulheres e meninas é mais alto no espaço familiar.”, Leila Linhares Barsted, advogada, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e representante do Brasil no MESECVI – Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará da Organização dos Estados Americanos.

População avalia que risco de feminicídio é real

Segundo a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), 85% dos entrevistados acham que as mulheres que denunciam seus parceiros ou ex quando agredidas correm mais risco de serem assassinadas.

O silêncio, porém, tampouco é apontado como um caminho seguro: para 92%, quando as agressões contra a esposa/companheira ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato. Ou seja, o risco de morte por violência doméstica pode ser iminente.

“De um lado as estatísticas do Brasil em relação ao resto da América Latina são terríveis, os números em si do Mapa da Violência já mostram essa gravidade. E a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013) revela a percepção de naturalidade da população, mostrando que, para a maioria, o fim violento por homicídio é passível de acontecer correntemente. Se pensarmos na questão do valor da casa, do abrigo privado, da condição familiar como o espaço mais perigoso para as mulheres, o problema ultrapassa qualquer limite de aceitação. Ou seja, vai além de um grau de civilização, está no plano da barbárie, no qual o espaço privado esconde execuções e torturas.” Fátima Pacheco Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião.

Racismo e violência: homicídio de negras aumenta 54% em 10 anos

O Mapa da Violência 2015 também mostra que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Chama atenção também que no mesmo período o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.

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