Feminicídio: o que eu tenho a ver com isso?

Todos os dias mulheres são mortas por homens que, no princípio, elas acreditavam que seriam seus parceiros e companheiros. Pessoas que durante algum tempo elas tiveram vínculos afetivos, em muitos casos tiveram filhos com eles. Esses casos, quando ocorrem, são identificados como feminicídio: mulheres que morrem por serem mulheres, por viverem em uma cultura violenta e machista.

Por Flávio Urra, do ECOA 

Flávio Urra é coordenador do programa “E Agora, José? Pelo fim da violência contra a mulher”
Imagem: Arquivo Pessoal

Os índices de feminicídio são alarmantes! O número de casos de assassinato de mulheres em São Paulo subiu, bem como, o número de estupros. O feminicídio tem crescido principalmente entre as mulheres negras. O Brasil é o 5º país no mundo com maior número de feminicídio.

No Programa “E Agora, José? Pelo fim da violência contra a Mulher”, conversamos com os homens sobre isso, perguntamos a eles: Porque um homem agride uma mulher? “Ele acha que é dono da mulher”, diz um. “Por ciúme”, diz outro. “Porque perdeu a cabeça”, diz mais alguém. “Para provar que é homem”. É fato, os homens são os principais agressores das mulheres, além de serem os principais agressores de outros homens também.

Mas como será que nós homens nos tornamos violentos? Porque usamos a violência para resolver conflitos? Como nos tornamos capazes de matar a própria mulher que dizíamos amar? E a pergunta essencial: Será que podemos evitar um feminicídio?

Mais de um homem já nos relatou no grupo que se não tivesse participado do Programa “E Agora, José?” teria matado a ex-companheira. Alguns dizem que por meio das reflexões apreenderam a conviver sem violência, que não são donos das mulheres, que não precisam usar violência para provar que são homens.

No Programa encontramos semanalmente com o discurso machista, são homens condenados pela Lei Maria da Penha e que a Juíza determinou que cumprissem os 26 encontros socioeducativos como pena alternativa. Muitos desses homens ainda têm uma cabeça de 50 anos atrás, não apenas os mais velhos, mesmo jovens de 20 anos ainda tem fortes pensamentos machistas e violentos.

O machismo e a violência masculina apreendidos na socialização dos meninos estão tão naturalizados que eles mal conseguem identificar que exercem violência. Tanto que, no primeiro encontro, quando fazemos uma entrevista com o homem recém chegado, ouvimos dele que é contra a violência. Isso mesmo, todos os homens respondem que a violência contra a mulher é um crime, que os agressores devem ser punidos, que a mulher deve denunciar.

São homens comuns, muitas vezes, acima de qualquer suspeita. Muita gente, quando vai conhecer o Programa pensa que ao chegar lá vai encontrar com “os monstros”, os “doentes”, os “psicopatas”, mas quando observam ou conversam com eles, encontram apenas homens do nosso cotidiano.

Muitos deles se sentem injustiçados por estarem ali, pelo fato de terem cometido um ato, que aos seus olhos, nem chega a ser violência. “Foi apenas uma discussão de casal”; “Eu apenas enviei um Zap pra ela”; “Ela me agrediu primeiro”; ” Eu só joguei um copo de cerveja na cara dela”. A maioria deles não reconhece e nem se responsabiliza pela violência cometida.

Muitos deles se sentem injustiçados por estarem ali, pelo fato de terem cometido um ato, que aos seus olhos, nem chega a ser violência. “Foi apenas uma discussão de casal”; “Eu apenas enviei um Zap pra ela”; “Ela me agrediu primeiro”; ” Eu só joguei um copo de cerveja na cara dela”. A maioria deles não reconhece e nem se responsabiliza pela violência cometida.

Leva um certo tempo até que os homens se responsabilizem pela violência que praticaram. São várias vivências, reflexões e debates, para que, aos poucos comecem a ter consciência do machismo e da violência contra a mulher, da discriminação que exercem e do uso da mulher como se fosse um objeto.

Dessa forma, por meio de uma intervenção socioeducativa, enfrentando as pequenas violências e o machismo cotidiano, acreditamos que possamos evitar que no futuro ocorram violências maiores.

*Flávio Urra, Psicólogo e Sociólogo, Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP especialização em Violência Doméstica pelo Lacri-Usp, coordenador do Programa “E Agora, José? Pelo fim da violência contra a mulher”.

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