A filha do velho defensor das mulheres fará uma violência à primeira mulher a governar o Brasil?

Conheci o senador Nélson Carneiro nos anos 70, no velho MDB.

Por Fernando Brito Do Tijolaco

Nunca fui seu admirador político, mas seu eventual aliado na tentativa de evitar que o domínio de Chagas Freitas fosse total no único partido de oposição legal à ditadura.

Mas quando o cumprimentei da primeira vez, o fiz com um vigor especial.

É que eu era “filho da desquitada”, condição humilhante a que eram reduzidas as mulheres cujo casamento se tinha dissolvido.

Vai parecer incrível aos mais jovens, mas até menos de 50 anos atrás, 1977, uma mulher nestas condições era impedida de, perante a lei e a sociedade, restabelecer seus vínculos afetivos, salvo na condição – vejam que palavra – de amásia.

Minha mãe, mesmo só, era uma pária social. E eu e meu irmão, os sempre suspeitos -às senhoras de “boa família”- “filhos da desquitada”.

Foi a causa do divórcio, aliás, a razão da mudança de Nélson  da Bahia para o Rio de Janeiro, pois lá a forte oposição da Igreja o derrotara eleitoralmente  e, aqui, o povo carioca sempre o elegeu, salvo na última disputa, onde a sombra de Moreira Franco, este mesmo do Temer, fez derrotar o já velho senador.

Conservador, oriundo da UDN e depois integrante do PSD, o velho Nélson por conta de seu incansável apego à dignidade da mulher, findou a vida com o respeito da esquerda, malgrado os erros políticos do passado. Um destas mulheres, símbolo  da lutas feministas por aqui, foi Heloneida Studart, que muito conviveu com ele no MDB que nos era possível, durante a ditadura.

Por isso, transcrevo a carta aberta de seu filho, João, à filha de Nélson, a deputada Laura Carneiro, que pretende votar pela destituição da primeira mulher a presidir o Brasil:

Li numa relação publicada no Estadão que você votará pelo impeachment da Presidente Dilma. Na mesma hora me veio a lembrança de seu pai, o Senador Nelson Carneiro e de minha mãe, Heloneida Studart.
Dois democratas que juntos passaram a vida lutando pelos direitos das mulheres e pela Democracia no Brasil.
Lembro-me de seu pai já velhinho, marchando na Rio Branco, de braços dados com Teotônio Vilela, Jorge Bittar, Marcelo Cerqueira, Modesto da Silveira, Heloneida e tantos outros, pela Anistia Ampla e pela Assembleia Nacional Constituinte.
Laura, não macule a memória de seu pai.
Afaste-se dessa gente que quer rasgar a Constituição que seu próprio pai escreveu. Não destrua a grande obra do Senador Nelson Carneiro, que nos deu a todos brasileiros a Constituição Federal de 1988.
Faça um exame profundo de alma, do ambiente familiar e político onde você foi criada e imagine como ele votaria nessa quadra tão difícil de nossa história.
Com os golpistas ou com a Constituição?

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