Em cartaz no Recife, obra narra a história do primeiro palhaço negro a fazer sucesso na França
Por Érico Andrade, do Diário Pernambuco
Certamente é o caráter de mimese da arte que permite o diretor Roschdy Zem levar à radicalidade o gênero tragicômico quando faz, por meio das duas diferentes personagens principais, o repertório de duas possibilidades da condição humana. Por lado, Rafael encarna o palhaço Chocolate tipo augusto; píncaro, deselegante e mentiroso que representa, por sua vez, a dimensão, como costumava chamar Nietzsche, dionisíaca da vida: o prazer e as emoções; sem qualquer espécie de embotamento. Por outro lado, George (o palhaço Foottit, branco) representava a dimensão apolínea: elegância, controle da situação e certo ar aristocrático.
Em Chocolate essas duas dimensões da existência humana são canalizadas para narrar a história de racismo. Ao negro, obviamente é confiado o papel de augusto, ao passo que ao branco se reserva à própria imagem dele mesmo: o europeu racional e sábio. Enquanto várias personagens ressaltam que Chocolate perde a cabeça com facilidade, como se os negros fossem mais suscetíveis de perderem a razão por estarem mais ligados aos animais do que à razão, George (Foottit) é apresentado no filme como alguém ciente do uso do seu dinheiro, sempre disposto a agir com frieza e racionalidade e, por fim, impenetrável capaz, diferente de Chocolate, de resguarda a sua vida privada (não está clara, por exemplo, a orientação sexual de George, cortejado por um gay e com certo ciúme de Rafael em relação ao seu romance com uma das mulheres do circo).
O racismo é reforçado também quando as pessoas reconhecem Rafael apenas como o Chocolate (raras são as pessoas que sabem o seu nome, nem mesmo o diretor do circo sabia) e o incentivam a encarnar invariavelmente, a personagem extravagante, ingênua e, evidentemente, dominada; submissa ao comando dos brancos. Por isso, não é apenas o palhaço branco que domina Chocolate, mas toda sociedade francesa; não menos branca. É ela que o desautoriza a interpretar Othello na medida que o confina, tal como houvera acontecido com o seu pai, à condição de uma espécie de animal que obedece o comando do seu senhor e se coloca apenas na condição de servir. Chocolate faz sucesso em Paris porque uma das facetas do exotismo é o cômico: tratar o diferente como uma charge cujo desejo e história são absolutamente irrelevantes, visto que o seu propósito é apenas servir; no caso de Chocolate, servir ao riso dos brancos.
Apesar de mostrar o tema do racismo, ainda inesgotável, Chocolate termina por nos trazer uma reflexão sobre a outra face do racismo: o etnocentrismo. O processo de colonização foi tão forte que para Chocolate ser reconhecido, no limite, como humano ele deveria interpretar Othello que é uma peça européia clássica e cuja personagem negra era interpretada por brancos, pressupondo-se, claro, a inaptidão do negro para o papel. Ou seja, para deixar a condição de servidão do palhaço tipo augusto, Rafael não deveria apenas enterrar Chocolate, mas deveria aceitar o padrão europeu, a cultura européia, como o único caminho para a civilização.
O desenrolar da trama mostra que Rafael não distinguia realidade da fantasia porque a imersão completa na personagem Chocolate lhe permitia pertencer . Por outro, temos uma personagem apolínea (poderíamos pensar em termos nietzscheanos como o dionísiaco) em pessoas ambíguas, contraditórias e no caso do outro palhaço (Fottit) impenetráveis (não está clara a orientação sexual de Fottit, cortejado por um gay e com certo ciúme de Rafael em relação seu romance com uma das mulheres do circo ?).
Sem pretenção de se colocar no patamar de um cinema francês de vanguarda, mas com a convicção de que há temas e enquadramentos que não podem ser resignados ao ostracismo Chocolate faz do cinema um grande circo. Trágico e cômico. A tragédia está história que o filme narra de ascenção e decadência de Chocolate. O cômico está na incarnação de Rafael (personagem principal do filme) de Chocolate; o palhaço tipo augusto: deselegante, píncaro e mentiroso. Entretanto, no cinema a tragédia e a comédia se entrelaçam e Chocolate se desenrolar neste entrelaçamento a que chamamos do gênero tragicômico.
Certamente é o caráter de mimese da arte que permite o diretor Roschdy Zem levar à radicalidade o gênero tragicômico quando faz, por meio das duas diferentes persongens principais, o repertório de duas possibilidades da condição humana. Por lado, Rafael encarna o palhaço tipo augusto que representa, por sua vez, a dimensão, como gostava de chamar Nietzsche, dioníaca da vida: o prazer e as emoções; sem qualquer espécie de embotamento. Por outro lado, George (o palhaço Foottit) representava a dimensão apolínea: elegância, controle da situação e certo ar aristocrático.
Em Chocolate essas duas dimensões da existência humana são canalizadas para narrar a história de racismo. Ao negro, obviamente é confiado o papel de augusto, ao passo que ao branco se reserva à própria imagem dele mesmo: o europeu racional e sábio. Enquanto várias personagens ressaltam que Chocolate perde a cabeça com facilidade, como se os negros fossem mais suscetíveis de perderem a razão, Foottit é apresentado no filme como alguém ciente do uso do dinheiro, sempre disposto a agir com frieza e nacionalidade e, por fim, impenetrável capaz, diferente de Chocolate de resguarda a sua vida privada (não está clara, por exemplo, a orientação sexual de Fottit, cortejado por um gay e com certo ciúme de Rafael em relação ao seu romance com uma das mulheres do circo).
O racismo é reforçado também quando as pessoas reconhecem Rafael apenas como o Chocolate (raras são as pessoas que sabem o seu nome, nem mesmo o diretor do circo sabia) e o incentivam a encarnar invariavelmente, a personagem extravagante, ingênua e, evidentemente, dominada; submissa ao comando das pessoas. Por isso, não é apenas o palhaço Foottit que domina Rafael, mas é a sociedade francesa que o desautoriza a interpretar Otello na medida que o confina, tal como houvera acontecido com o seu pai, à condição de uma espécie de animal que obedece o comando do seu senhor e se coloca apenas na condição de servir. Chocolate faz sucesso em Paris porque uma das facetas do exotismo é o cômico: tratar o diferente como uma charge cujo desejo e história são absolutamente irrelevantes, visto que o seu propósito é apenas servir, no caso de Chocolate, ao riso.