A filósofa, professora e artista plástica gaúcha Márcia Tiburi acredita que o feminismo tem muito a ensinar à sociedade no Brasil. Esse foi um dos pontos abordados por ela em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil. De acordo com ela, é preciso compreender que o feminismo não se trata de privilégios, mas sim a ‘grande desconstrução epistemológica’ dos preceitos que imperam na sociedade brasileira.
Por Thiago de Araújo, do Brasil Post
“A gente precisa do feminismo. O feminismo tem muita coisa pra ensinar à política, à sociedade”, disse Márcia ao falar do seu coletivo, a PartidA. “A PartidA é o meu movimento que funciona como partido, está sendo construído por muita gente. Assim, acho que o que tive de contribuição é que dei uma ideia e causei uma provocação, que é o que os filósofos podem fazer na nossa cultura, e muita gente resolveu inventar esse negócio. É um movimento que corre o risco de virar muitas coisas, de virar inclusive um partido feminista”.
Ao longo de quase uma hora de entrevista, a filósofa também falou do seu mais recente livro, Como conversar com um fascista – Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro, lançado pela editora Record. Como diz o título, afinal, como é possível falar com um fascista de carteirinha? “A gente não consegue, mas a gente vai tentar, pelo menos a gente não vai se transformar em um fascista. Esse é o jogo. O título do livro é uma ironia, ao mesmo tempo é uma proposta de resistência”, comentou.
De acordo com Márcia, o fascismo está presente na sociedade brasileira e deve ser levado a sério. “A gente tem que tomar muito cuidado com a nossa ignorância porque uma coisa é a nossa ignorância como cidadãos comuns, tem várias coisas que a gente não sabe. Então essa ignorância filosófica é uma coisa muito boa. Mas a ignorância do fascista é a ignorância prepotente, ela se transforma em burrice. A burrice é uma categoria moral a ser levada a sério no Brasil”.
Ainda falando sobre o tema, ela explicou que políticos brasileiros com características fascistas utilizam a burrice de maneira estratégica. “Os nossos deputados, os que sofrem de uma lacuna mais provocativa em termos de cognitivos… ‘eu manipulo’. Em vez de me fingir de louco, me finjo de burro. Eu uso, eu faço toda a inversão de sentido”, explicou, dizendo ainda que as redes permitem hoje que ofensas causem comoção nas pessoas, por ‘imitação’.
“A linguagem e o pensamento funcionam por imitação. Para entrar na concretude do pensamento é muito sofisticado, mais complicado. As pessoas inteligentes são as que tentam estabelecer o diálogo, o burro é aquele que cancelou, que está a nível do paranoico. Então xingo alguém, me posiciono contra isso e aquilo, e eu ganho adeptos. É o que chamei em outro livro de ‘desejo de audiência’”, emendou.
Ainda no campo político, a filósofa alertou para ‘um golpe que está sendo construído há muito tempo’, o qual, segundo ela, a sociedade não está percebendo. “Eu tenho medo. Acho que o Brasil está correndo um risco bem sério, não apenas no nível do futuro, um golpe de fato nesse sentido do golpe político, da gente perder a eleição que a gente conquistou, que os cidadãos conquistaram, a eleição de um candidato legitimamente. Mas tem uma coisa que a gente já perdeu, que é a noção de democracia. A gente terá de reconquistar a democracia”.
Márcia ainda criticou os meios de comunicação de massa (“é como se administrassem regimes de pensamento numa cultura de ausência de reflexão isso é um poder inacreditável”) e pediu reconstrução do conceito que une ética e política no País, algo que parece perdido na atualidade.
“É importante politizar tudo, falar de política, denunciar tudo que há na política, mas é bom voltar a uma conversa sobre ética. A palavra ética desapareceu no cenário, não existe mais debate sobre isso, parece que é um assunto ultrapassado, mas temos que voltar a casar ética com política. Se não for ética, pelo menos uma etiqueta para tirar esse tipo de produção antipolítica do cenário, criando as mínimas condições de discussão para que haja alguma modificação no cenário”, concluiu.