Mudanças socioculturais são necessárias para acabar com a violência contra a mulher, segundo os particiapentes da audiência pública da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher realizada nesta quarta-feira (25). Foram ouvidos especialistas, pesquisadores e representantes do poder público para abordar a aplicabilidade da Lei do Feminicídio (Lei 13.140/2015).
Do Ssenado
Cheila Marina de Lima, consultora técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, indicou que quase 20% dos óbitos de mulheres no Brasil, de 2011 a 2015, tinham relação com histórico de repetição de situações de violência. Além de um problema de segurança, a consultora afirmou que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública e de violação de direitos humanos.
— A mulher que sofre qualquer tipo de violência tem sete vezes mais o risco de sofrer morte violenta, 30 vezes mais o risco de se matar e 20 vezes mais de ser assassinada por crime de feminicidio — afirmou.
Recorte racial
Cheila Lima também indicou que de 2000 para 2015 o número de mulheres negras mortas por feminicídio passou de 1.713 para quase 3 mil mortes, enquanto o de mulheres brancas apresentou uma redução de 1.809 para 1.509. Segundo Joseanes Santos, ativista da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, quando se computa dados sobre violência, o recorte racial deve ser considerado, pois existe “uma nítida diferença entre o percurso da violência contra as mulheres no Brasil”.
— O fenômeno de violência contra a mulher negra tem uma relação direta com o constrangimento que o racismo nos coloca — afirmou Joaseanes.
A ativista defendeu uma interseccionalidade entre os estudos de gênero, raça e etnia como uma proposta de abordagem de enfrentamento da violência. Para ela, a compreensão parcial da realidade das mulheres negras muitas vezes se converge em medidas ineficientes.
Conscientização
Para Roberta Astolfi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o maior objetivo relacionado ao feminicídio, como questão de segurança, é mudar a visão sobre esse tipo de crime. Ela afirma que mais do que buscar o aumento de penalidade previsto na lei, para diminuir a incidência do deste, é preciso compreender o fenômeno de violência contra a mulher.
— O que mais importa em relação ao feminicídio é pensar a questão de gênero como explicação para parte dos homicídios de mulheres. Isso é importante e essa é a mudança cultural [que propomos], além de dar a visibilidade ao fenômeno de violência contra a mulher — disse.
Lia Zanotta Machado, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB), destacou que a instituição da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e a Lei do Feminicídio já representaram os passos iniciais para a mudança cultural. Ela observou ainda que por muito tempo a violência contra a mulher foi a “violência mais invisível” e, por isso, é necessário um olhar especial para tratar do assunto.
Além da mudança de perspectivas socioculturais, o coordenador de Prevenção Social da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Rafael Raeff Rocha, disse serem necessárias medidas preventivas para combater a violência e o feminicídio. Na opinião dele, não agir preventivamente representará seguir a linha de ações feitas nos últimos anos, que ainda não tiverem os resultados mais efetivos.
Panorama
Aline Yamamoto, consultora para a área de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da ONU Mulheres, contextualizou na audiência como as políticas públicas latino-americanas foram avaliadas pela organização. Ela afirmou que o continente latino-americano é uma região de altos índices de violência contra as mulheres, apontando que dos 25 países com as mais altas taxas de mortes violentas de mulheres, 19 estão na América Latina.
— Houve, sim, muitos avanços, mas eles não têm sido suficientes para nós alcançarmos uma situação melhor para as mulheres e meninas em relação a questão da violência — declarou.
Em geral, os países latino-americanos apresentam mecanismos nacionais de política para segurança das mulheres, disse Aline Yamamoto. Contudo, na maior parte deles os mecanismos institucionais têm baixa hierarquia, por estarem na segunda ou terceira linha de atuação dos ministérios. Segundo a consultora, 94% dos países da América Latina apresentam políticas nacionais para eliminação da violência contra as mulheres, além de praticarem ações de prevenção, atenção e sanção. E, em muito menor grau, ações de reparação pela violência. Contudo, o monitoramento e a avaliação do desempenho dessas políticas ainda são precários.
Classificação
A pesquisadora Jackeline Aparecida Ferreira Romio, doutora em Demografia, com um trabalho voltado à questão da saúde e da violência, apresentou na audiência os resultados do seu estudo de doutorado Feminicídios no Brasil: uma proposta de análise com base em dados do setor de saúde. Na pesquisa, Jackeline Romio identificou três categorias de feminicídios: reprodutivo (casos de aborto), doméstico (por violência conjugal) e sexual (por meio de agressão física e sexual). O estudo mostra que a maior parte das vítimas dos feminicídios domésticos se encontra na faixa dos 15 aos 49 anos de idade.