A força do tambor feminino

O bloco de carnaval formado por 250 mulheres para “empoderá-las” por meio da música

Por MARINA ROSSI, do El Pais 

Beth Beli, na sede do Ilú Obá De Min. (VICTOR MORIYAMA)

Os fiéis do candomblé, religião de origem africana, acreditam que são filhos de orixás, de quem herdam suas características. Filhos de Iansã, por exemplo, são independentes e determinados. Filhos de Oxossi são guerreiros e têm sempre a sua presença notada. Elizabeth Belizário, ou apenas Beth Beli como costuma ser chamada, é a mistura do orixá da floresta – Oxossi – com a senhora dos ventos e da tempestade – Iansã. Sua “coroa” – termo usado para designar o terceiro orixá que rege as características mais predominantes – em todo caso, pertence a Xangô, o rei que representa a justiça. Isso pode explicar muito de sua história.

Aos 47 anos, Beth é a presidenta – “com A”, como ela diz – do Ilú Obá De Min, um coletivo paulistano de tambores composto somente por mulheres. Fundado em 2004 com 30 representantes femininas, hoje, 11 anos depois, são 250. No carnaval deste ano em São Paulo, o bloco se apresentou duas vezes: na sexta-feira e no domingo. Cerca de 15.000 pessoas foram arrastadas pelas ruas da cidade para acompanhar o cortejo que é regido pela cultura da África e pelo candomblé. Os tambores e repiques em tons africanos são acompanhados pela apresentação dos orixás, representados por bailarinos caracterizados, caminhando em enormes pernas de pau.

Nascida na Brasilândia, bairro pobre da zona norte de São Paulo, Beth é a caçula de três irmãos. A mãe, de origem indígena, era dona de casa. O pai, negro, era militar. A família era católica e por isso, Beth foi batizada, ia à missa e comungava. Estudou em colégio militar até o Ensino Médio. “Chegando a uma certa idade, eu não aguentei mais a rigidez do colégio militar e pedi para sair”, diz ela. Adolescente, começou a frequentar escolas de samba. Foi nesse momento que iniciou sua carreira como música, tocando percussão, o que a aproximou do candomblé. O tambor faz o ritmo nos rituais da religião, e é elemento de transcendência de seus fiéis.

Graças ao seu trabalho, viajou para diversos países em apresentações e shows. “Meu pai me dizia: Você tem que se dar bem, independente do que você faça”, diz ela. Antes de viajar pelo mundo, Beth tocou nos blocos carnavalescos Banda Lá e posteriormente no Ori Axé (que significa “a força da cabeça”), ambos formados por homens e mulheres, em sua maioria negros. Nesses blocos, Beth achava injusto que apenas negros pudessem participar. Por isso, quando saiu, prometeu que só voltaria aos blocos “se fosse para trabalhar para Xangô”, o orixá da justiça. Assim, em 2004 se juntou a outras duas músicas, Sandra Campos e Sônia Leite, e juntas formaram o Ilú Obá De Min (que significa “mãos femininas que tocam tambor para Xangô”). “Eu tinha esse desejo, que a bateria fosse só feminina”, diz. “Até pela minha história. Se o tambor me empoderou tanto, por que não empoderar tantas outras mulheres?”.

 

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