Fratura exposta

A democracia brasileira está em situação de emergência, mas o centro cirúrgico está contaminado

Por Flávia Oliveira Do O Globo

Foto: Marta Azevedo

Na falta de diagnóstico original para o colapso político nacional, já tão bem esquadrinhado pelos colegas jornalistas dos vários matizes profissionais e ideológicos, é à medicina que recorro. Melhor metáfora não me ocorreu que a de uma fratura exposta na ainda jovem democracia brasileira.

Tal como o acompanhante de um ente querido gravemente fraturado, fui me aconselhar com um profissional da saúde, o sempre solícito infectologista Edimilson Migowsck. Doutor, como se cuida de uma fratura exposta?

É situação de urgência. Demanda tratamento eficaz e, ainda assim, pode deixar sequelas. Carece de intervenção cirúrgica, após assepsia em ambiente seguro e higienizado. É indispensável um cirurgião habilidoso.

Há fraturas que produzem ossos pontiagudos. São eles que podem romper estruturas como nervos, artérias e vasos sanguíneos. Havendo perda de sangue, pode ser necessária uma transfusão.

A intervenção cirúrgica é seguida de internação, semanas — não raro, meses — de antibióticos potentes para dar cabo de bactérias oportunistas. Ao fim do tratamento, ainda que bem-sucedido, o paciente pode mancar, ter restrições de movimento. A cicatriz fica para sempre.

A democracia brasileira sofreu fratura exposta. É situação de emergência, mas o centro cirúrgico está contaminado. A Agência Lupa nos informou que dos 513 deputados, 299 têm ocorrências judiciais; 76 já foram condenados.

Aos potenciais cirurgiões faltam qualificação e/ou legitimidade. Há uma presidente, Dilma Rousseff, acuada, à frente de um governo abaixo da crítica; um vice, Michel Temer, conspirador; um presidente da Câmara, Eduardo Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal; uma oposição rancorosa.

Por toda parte, há risco de infecção. A borda pontiaguda pode fazer sangrar Executivo, Legislativo e Judiciário, os poderes da República. É ilusão ou cinismo falar em instituições democráticas em funcionamento, com um processo de impeachment presidido por um parlamentar acusado de corrupção e lavagem de dinheiro.

E tem a dor. Dói demais a fratura na democracia. Doeu nos ossos de milhões de brasileiros.

+ sobre o tema

Meritocracia: Aos 35 anos, filha de Luiz Fux é nomeada para vaga de desembargadora

Nesta segunda, 7, duas horas depois da indicação da...

Bolsonarismo ataca democracia de todas as formas

O risco democrático que o bolsonarismo representa não se...

Herança maldita: na Era Hartung, mais da metade das vítimas de homicídios foi de jovens

  O Ministério da Justiça lançou, em parceria com o...

O surgimento dos ‘coxinhas’ Por Sergio da Motta e Albuquerque

Os protestos iniciados em junho trouxeram com eles...

para lembrar

A BH possível, a dos nossos sonhos: amiga das mulheres

O eixo dos debates de uma eleição municipal é...

CNBB ajuda a convocar atos em defesa de Lula e da democracia

Uma circular da Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da...

Michelle Obama recebe Príncipe Harry na Casa Branca

O Príncipe Harry visita à Casa Branca, recebido por...

José Serra operou para ACABAR com a ferrovia Norte-Sul, prejudicando Goiás, Tocantins, Maranhão, etc

Nesta terça-feira Serra continua seu périplo visitando políticos demo-tucanos...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...

O precário e o próspero nas políticas sociais que alcançam a população negra

Começo a escrever enquanto espero o início do quarto e último painel da terceira sessão do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes, nesta semana na...
-+=