Frederick Douglass, o filho de uma escrava com um branco que se tornou líder abolicionista

FONTEAventuras na História, por Vanessa Centamori
Frederick Douglass (MPI/Getty Images)

Frederick Douglass, um escravo fugitivo de 23 anos de idade, costumava ser um homem calado, mas, em 11 de agosto de 1841, ele se esforçou para articular sem gaguejar. E foi assim que, com grande fôlego e eloquência, o rapaz superou o nervosismo e discursou diante de uma plateia de líderes brancos abolicionistas. O sucesso da fala mudaria seu destino — e também a história dos Estados Unidos, que o ganhava como símbolo da luta contra a escravidão no país.

A palestra instruída por Douglass, que ocorreu na ilha americana de Nantucket, foi tão convincente que a Sociedade Anti-Escravidão de Massachusetts o contratou no local para se juntar a equipe como palestrante. Lá começava a sua carreira de orador, que foi fundamental na luta pela abolição da escravidão nos desdobramentos da Guerra de Secessão dos EUA.

Nasce um líder

O início da história de Frederick Douglass era desconhecida por ele próprio, que nunca soube ao certo a sua data de nascimento. O futuro abolicionista já surgiu do ventre da mãe escravo, por volta de 1818, em Talbot County, Maryland. Detalhe é que Douglass mal conheceu sua progenitora e, não sabia também quem era o pai.

Vivia então com a avó materna, Betty Bailey. Ficou com a senhora até os seis anos de idade, quando foi afastado dela para viver e trabalhar na plantação de Wye House. Mesmo tão jovem, testemunhou na pele as chicotadas brutais da escravidão e passou frio e fome.

Depois, aos 8 anos de idade, sua jornada mudou e o patrão, Thomas, o enviou para trabalhar em função do irmão dele, Hugh Auld, em Baltimore. Por lá, Douglass aprendeu o alfabeto, graças à esposa do irmão de seu novo senhor. Além disso, ouviu pela primeira vez palavras como abolição e abolicionistas.

Novas mudanças

Eventualmente, o chefe escravista impediu que Douglass continuasse aprendendo, sobretudo sobre o significado da escravidão. No entanto, ele começou a estudar escondido, de modo autodidata. E também o jovem se aliou a outros escravos, esforçando-se para ensiná-los a ler e escrever usando a bíblia.

Vendo com maus olhos a imersão de Frederick Douglass nos livros, seu senhor o transferiu de volta para o ex-patrão, Thomas. E o último o mandou para outro homem, Edward Covey, um fazendeiro conhecido por seu tratamento brutal para com seus escravos. Douglass sofreu nas mãos do novo “dono”, que o açoitava diariamente e o deixava passar fome.

Revira-volta

Em 1838, após muitas fugas falhas, o jogo virou. Aos 20 anos de idade, Douglass embarcou em um trem que seria sua locomotiva para a liberdade. Foi para Havre de Grace, Maryland e, de lá, seguiu pelo estado de Delaware, chegando em Nova York, em um esconderijo do abolicionista David Ruggles.

Naquela cidade, Douglass encontrou um grande amor em sua vida. Uma mulher negra livre de Baltimore, que o jovem reconhecia dos tempos em que era escravizado na casa de um de seus antigos mestres, Hugh Auld. Depois, já então nas mãos do sanguinário Edward Covey, a moça tinha auxiliado Douglass a fugir. Ela se chamava Anna Murray e se casou com o líder abolicionista em setembro de 1838. O casal teve cinco filhos.

Contato com o abolicionismo

Um ano após o casamento, Douglass passou a falar em encontros na igreja, contando a história de como fugiu da escravidão e a importância do abolicionismo. Ele se mudou com a mulher para New Bedford, Massachusetts.

Foi naquele estado que Frederick Douglass fez seu eloquente discurso para os líderes brancos da Sociedade Anti-Escravidão de Massachusetts. Por lá, o ex-escravo foi exposto aos escritos do abolicionista e jornalista William Lloyd Garrison, que estava presente em sua histórica fala. Foi ele, inclusive, que incentivou o abolicinista lendário a se engajar na causa antirracista.

Em 1860, o líder de retórica brilhante publicou sua primeira e mais famosa autobiografia, chamada a Narrativa da Vida de Frederick Douglass, um Escravo Americano. No livro, ele relata sua saga de superação, e diz: “nas horas mais sombrias da minha carreira na escravidão, essa palavra viva de fé e espírito de esperança não se afastou de mim, mas permaneceu como anjos ministradores para me animar através da escuridão”.

Importância durante a guerra civil americana

Em 1861, a Guerra de Secessão ocorria nos EUA, em um brutal conflito que dividia legalistas no Norte do país e secessionistas do Sul, que defendiam manter a escravidão. Enquanto isso, Douglass discursava de modo incansável pelo direito dos negros.

O líder negro serviu como consultor de políticos, principalmente influenciando Abraham Lincoln. Porém, após a Proclamação da Emancipação de 1863, que deu fim à escravidão, Douglass ficou desapontado com Lincoln. Isso pois ele não usou a proclamação para permitir que os ex-escravos pudessem votar.

Mais tarde, no entanto, acredita-se que o abolicionista se reconciliou com Lincoln. Após o assassinato do presidente, em 1865, e a aprovação de emendas que impediam a discriminação racial no voto, Douglass discursou no Memorial da Emancipação em Lincoln Park, em 1876.

Momentos finais

No ano seguinte, Douglass se encontrou com Thomas Auld, seu antigo senhor, que o escravizava. Os dois teriam feito as pazes. Um tempo depois, em 1882, o abolicionista passou pelo luto, ao perder a esposa, que morreu naquele ano. Casou-se novamente dois anos depois, com a ativista branca Helen Pitts, em 1884.

No final de sua vida, o ex-escravo viveu como referência de voz contra o racismo no século 19. Um palestrante ativo e dedicado, que morreu devido à um ataque cardíaco. O episódio ocorreu quando ele voltava de uma reunião do Conselho Nacional das Mulheres, que defendia o direito ao voto feminino (causa para a qual o ativista também lutava).

Sua história de superação está eternizada em várias de suas falas, que reverberam tantos anos depois de sua morte. Um dos discursos mais emocionantes de Douglass foi feito na Sociedade Antiescravista das Mulheres de Rochester.

Nele, Frederick Douglass homenageia figuras grandiosas, mas, curiosamente, a fala parece também descrevê-lo: “Eram homens de paz; mas preferiam a revolução à submissão pacífica [e] à servidão. Eram homens calados; mas não se recusaram a agitar-se contra a opressão (…) Acreditavam na ordem; mas não na ordem da tirania”.

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