Gang e a solidão da mulher negra no dia dos namorados

Nossa, essa veio muito antes de se falar em funk ostentação. Provavelmente porque não é do tempo do governo do PT consolidado, quando pobre era miserável e não podia usufruir de vários itens e bens de consumo, mas isso é outra conversa. Estou aqui pra falar desse ano. Deste ano. 2015, a Gang, marca famosa há décadas, fez uma colagem de fotos em que aparece a diversidade no amor.

por Fernando Sagatiba no Divagar é Preciso

Diversidade? Talvez a diversidade da Boticário, com casais gays, mas nenhum negro (hétero ou gay), ou seja, quis fazer cartaz, parecer descolado e gente boa, mas errou feio, errou rude. Imagina, saganauta (saga-o-quê?!) que você me fale que é vegetariano e, pra ser legal contigo e pagar de muito interado nos paranauê, eu te presenteie com salsicha de frango. É tipo isso, parece que eu to tomando uma atitude diferente, mas não parei pra fazer uma pesquisa mínima sobre o assunto que te agrada.

Eu explico. A gang fez uma colagem em que a única mulher negra que aparece está beijando um manequim. É a única sem um par. Numa pesquisa muito rasa qualquer, você se depara com inúmeros textos onde se aponta a mulher negra como o pé da pirâmide social de relacionamentos.

Inclusive aqui e no meu outro blog, o Raiz do Samba em Foco. Pensa comigo, Jeremias, o mundo é racista e o europeu criou isso escravizando povos inteiros, em vez de inimigos de guerra, como fazia antes, assim, o negro e o índio foram escolhidos pra figurar nesse lixo de história que nos impuseram. Daí, o o mundo também é machista, pois, detonaram sociedades matriarcais inteiras pra empurrar essa lei mentirosa de que mulher é sexo frágil… não é, só foi oprimida, assim como o negro. Então, dessa equação, podemos concluir que se você é homem e branco, você tá com tudo, não deve explicação a ninguém… no máximo, vão dizer que você não samba legal. E é verdade. Rá!

jeans_2000Você nota que é um costume não ter negros. Tipo, achei uma ou duas numa página inteira de buscas. Muito pouco pra porcentagem que consome. Quer nosso dinheiro, mas não quer nossa cara? (Divulgação/Gang)

Caracas, gente, o que vocês fumam de exótico no café da manhã? Eu até tenho a teoria de que é pura provocação, mas mesmo pensando assim, ainda acho exagero porque há muito dinheiro envolvido só pra trollar um grupo específico na sociedade. Eu poderia ter ido na página da empresa exigir retratação, mas não faço isso porque, como eu disse, não acredito em inocência nesses casos, e muito menos porque já cansei de trabalhar em atendimento a consumidor e sei que essas respostas são tudo texto decoreba já salvo em algum banco de dados Access/Excell/Word (Office ou LibreOffice – Rá!), então, fica meu manifesto.

Manifesto de um homem negro que vive com uma mulher negra e é cercado de parentes e amigas negras que não precisam desse deboche na vida, sobretudo, numa data comercial em que se impõe midiaticamente a necessidade de estar em um relacionamento. Não sou dessa gang do descaso e do deboche. E não adianta colocar casais LGBT ogados ali porque fica com cara de forçação pra fazer média, já que não lembrou que a população negra e consumidora é muito maior no mercado. Questão de pesquisa de marketing.

Uma empresa faz isso, correto? E pesquisou público pra dar nisso?Então, concluímos também que se você é homem e negro, você ainda tem um mínimo suporte no machismo, pois, aprendeu com o homem branco a dominar sua mulher, mas … e a mulher negra? O que sobra pra ela? Pois é, meu nobre, a mulher negra leva porrada duas vezes, pois é oprimida pelo branco e pelo homem. E, na contagem da equação – ainda não acabou, acompanhe – a maioria da população é pobre, logo, se sabemos que a maioria da população é feminina, então temos a maioria da população feita de mulheres negras e pobres.

Contando ainda – eu avisei que não tinha acabado – com a referida marca de roupas – sucesso entre funkeiros há umas décadas – podemos concluir que a marca era muito adorada por maioria de mulheres negras. As mesmas que agora são “representadas” se “relacionando” com um manequim. PARABÉNS, GANG! Troféu joinha 2015 pra vocês. Se o Boticário já tinha vacilado na exclusão do negro, vocês conseguiram superar o feito incluindo, mas não reconhecendo que mulher negra também tem namorado, apesar de a sociedade só querer que ela seja uma explosão na cama e excelente rainha de cama, mesa e banho.

28831801_small

Divulgação/Gang

Entendeu, Gang? Entendeu O Boticário? Vocês não entenderam que o negro é mais de 50% da população e compra coisas. Não compra besteira… quer dizer, besteiras TAMBÉM, inclusive itens de lojas que não nos vê como gente de verdade. Por mim, eu boicoto mesmo. Faço isso com uma facilidade enorme, e depois apareço na net pra falar mal. É isso que acontece com marcas que mandam mal, a gente fala mal. Exército de difamadores e com razão. Olha pra essa foto e imagine a mãe de vocês.

Eu não gosto de apelar pra esse ‘e se fosse com você’, porque acredito que respeito deva vir de berço, mas pros que – nitidamente – não sabem o que é isso, mando mesmo na lata: Olha pra essa porcaria que fizeram e pensem se iam mesmo ganhar aplausos das pessoas que vocÊs representaram ali. E note, por fim, que o homem negro, pra variar o senso comum, está com uma mulher branca e/ou fazendo parte de um relacionamento a três com brancos.

Pode até forçar umas de que isso é reflexo da sociedade, mas um comercial de 30 segundos não é uma peça documental sócio-antropológica, ok? Então, se fizeram esse comercial da cabeça deles, não é pra excluir, é uma marca, uma empresa que lucra com vendas, então, até representar direito, não vou ouvir nem falar bem dessa coisa. “A loja que me entende”? A narradora, com certeza é branca, porque se fosse negra estaria muito enganada. Veja aí pra ter noção:

Não quer mostrar nossa cara direito, mas se entrar na loja, mesmo torcendo a cara, aceita nosso dinheiro, né? Aí, pode?

Leia Também

O amor tem cor?

Por que as mulheres negras são minoria no mercado matrimonial

Gênero, raça e ascenção social


Fernando Sagatiba – Negro, jornalista, sambista, desenhista, sarcástico e um pretenso auto-proclamado observador da problemática contemporânea. Filiado à UNEGRO-RJ

+ sobre o tema

“Não me venha falar da malícia de toda mulher”

Não me venha falar da malícia de toda mulher”:...

Racismo institucional e ensino da cultura africana são debatidos entre governo e movimento negro

 A presidenta Dilma Rousseff recebeu nesta sexta-feira (19),...

Jair Bolsonaro é condenado por declarações homofóbicas

O deputado federal Jair Bolsonaro (PP) foi condenado a...

para lembrar

“Burra e feia”. Assim falou o racista

Estava com uma amiga branca tomando uma cerveja no...

ONU cita Lei Maria da Penha como pioneira na defesa da mulher

Sancionada em 2006, a lei aumentou as punições em...

Agências da ONU divulgam nota sobre PEC 181/15

Agências das Nações Unidas no Brasil manifestaram no domingo...
spot_imgspot_img

Número de feminicídios chega a 11 no DF em 5 meses; 2 mulheres morreram nas últimas 24 horas

O Distrito Federal registrou 11 casos de feminicídio em 2025. Somente nas últimas 24 horas, duas mulheres foram mortas, uma em Samambaia e outra em Ceilândia (saiba mais abaixo). Dados da...

Conheça o Conselho Nacional de Mulheres Negras, criado 18 de maio de 1950

Há mais de sete décadas, no dia 18 de maio de 1950, era criado o Conselho Nacional de Mulheres Negras, uma organização pioneira do...

Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexo, lançam Comitê Impulsor Nacional para a Marcha Nacional de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

Durante a abertura da 12ª edição do SENALESBI – Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais, que acontece de 16 a 18 de maio em...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.