Gosto não se discute, violência sim

Por:Beatriz Beraldo

Gosto, como dizem, não se discute. Eu, por exemplo, não gosto de mocassim embora saiba fica muito bem em algumas pessoas. Por outro lado, amo um vestido velho e desbotado que toda a minha família faz torcida para que vire pano de chão. A verdade é que desde que nos auto intitulamos “Sociedade do Consumo”, o gosto pessoal e a moda são parceiros inseparáveis.

Ora, por mais que a “indústria da moda” dite as tendências, você tem que fazer escolhas na hora de comprar. Até porque existem muito mais roupas oferecidas no mercado do que você poderia usar em uma vida inteira. Essas escolhas, de certo modo, moldam você, o seu gosto, ou como alguns gostam de dizer, o seu estilo.

Muitas vezes, no entanto, o seu estilo pode não ser considerado “de bom gosto” por outras pessoas. Acontece. Acontece bastante. Afinal, gosto não se discute, mas isso não quer dizer que eu não posso ter um gosto diferente do seu. O gosto pessoal vai depender de muitas coisas: família, religião, experiência de mundo… Não tem problema. Tá liberado gostar do que quiser.

Agora, o que não está liberado é essa confusão de se valer da ideia de não gostar do (ou não concordar com) tipo de roupa que o(a) outro(a) usa para justificar uma agressão. Para ficar mais claro, lembro de um debate que realizei com alunos do 3º ano do ensino médio sobre “porque usar roupa curta não pode ser considerado um fator facilitador para o estupro”. Nesta ocasião, uma aluna me questionou:

Você não acha que as mulheres poderiam evitar se vestir com esse tipo de roupa em determinados lugares?

Vamos pensar: existem lugares e solenidades onde há certo rigor com a roupa? Sim, alguns. Podemos modificar/adaptar essas regras para nos sentirmos mais confortáveis? Sim, sempre. Pessoas vão achar a sua roupa feia e/ou inadequada? Provavelmente sim. Você se importa com isso? Evidentemente não, por isso as usa, privilegiando o seu conforto. Por este motivo, as pessoas vão poder xingar, ameaçar, agredir ou estuprar você? Bem, me parece bastante óbvio que a resposta é NÃO!

Se esta é uma questão tão óbvia, por que é todos os dias vemos alguém justificando o estupro em função da roupa da vítima? É mais correto culpar a vítima pelo o crime ocorrido contra ela do que julgar o agressor?

É muito importante nos questionarmos sobre essas naturalizações de violência na nossa cultura. Jamais o seu julgamento pessoal sobre a adequação da roupa de alguém à determinado ambiente pode se sobrepor ao inexorável direito que este alguém tem de ir e vir sem sofrer preconceito, constrangimento ou agressões. Se uma mulher se sente bem usando roupas justas e curtas, ela tem o direito de usá-las e este direito tem que ser respeitado.

Enquanto alguns jornalistas, policiais e a sociedade de um modo geral ficam justificando um estupro ao fazerem comentários acerca da roupa que a vítima estava usando, esquecem-se de que há por aí um criminoso, solto, livre para cometer outros crimes. Enquanto o foco da culpa não se voltar a ele, ou seja, ao estuprador, todas as outras mulheres, independente de suas roupas, gosto pessoal ou estilo, estarão vulneráveis. Então, se é verdade que gosto não se discute, para crimes de violência sexual e assédio também não há discussão: a culpa é sempre do agressor. E ponto final.

Autora

Beatriz Beraldo tem 26 anos, é feminista e mestre em comunicação. Dedica as suas pesquisas acadêmicas às intersecções entre feminismo, comunicação e consumo.

Fonte:Blogueiras Feministas

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