Gota D’Água {PRETA} abre temporada no Sesc Santo André em julho

Vista por quase oito mil pessoas, a nova versão do texto Gota D’Água realça a realidade negra, a discussão social e de classes e o protagonismo da mulher preta

Do ABC do ABC

Jussara Marçal e Jé Oliveira
Crédito: Evandro Macedo

A peça Gota D’Água {PRETA} estreia no Sesc Santo André em 12 de julho e segue com temporada até o dia 28 do mesmo mês, às sextas, sábados e domingos. A montagem, projeto do premiado ator, diretor e dramaturgo Jé Oliveira, fundador do Coletivo Negro, mostra a versatilidade do artista ao transitar entre o Rap e a MPB. Em seu último trabalho, homenageou os Racionais MC’s com a peça-show “Farinha com Açúcar”, que rodou o país por três anos.

Pela primeira vez com um elenco predominantemente negro, o espetáculo traz para a cena paulistana a realidade negra que perpassa a obra Gota D’Água, escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes em 1975.

Para Jé Oliveira, apresentar a peça em Santo André tem um gosto especial. “Fazer Gota D’Água {PRETA} no ABC é uma alegria imensa. Primeiro porque sou de Mauá e depois porque sempre tive uma relação profunda com Santo André. Estudei no Senai, no Senac e na Escola Livre de Teatro (ELT), onde também dei aulas. Vai ser muito especial retornar”, destaca.

Inspirado na tragédia Medeia, de Eurípedes, Gota D’Água {PRETA} traz como personagem principal Joana, mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional. Jasão, seu ex-marido, é um jovem vigoroso, sambista que desponta para o sucesso com a composição da canção que dá nome à peça. Agora ele é noivo de Alma, filha de Creonte, corruptor por excelência e o detentor do poder econômico e das casas, a Vila do Meio-dia, local onde antes morou com Joana e os filhos. Se em Medeia havia reis e feiticeiros, na tragédia brasileira Gota D’Água {PRETA} temos pobres e macumbeiros, além de um coro negro, em alusão ao grego.

De modo inédito na história do teatro brasileiro Joana, interpretada pela cantora e atriz Juçara Marçal (Metá Metá), e Jasão, vivido por Jé Oliveira, são negros. A escolha política-estética do diretor traz a força da musicalidade ancestral e a influência das religiões de matriz africana.

“É como se estivéssemos realizando a coerência que a peça sempre pediu e até hoje não foi realizada”, relata o diretor. “A personagem é pobre e é da Umbanda. Tudo leva a crer, pelo contexto histórico, social e racial do país, que essa personagem é preta. Estamos realizando o que a peça insinua. Estamos de fato enegrecendo a obra de Chico Buarque e materializando o que ele propõe.”

A montagem não busca apenas uma reparação histórica para diminuir um hiato sobre a presença negra em papéis relevantes na dramaturgia nacional, mas sobretudo, propõe uma re-atualização, com base na coerência, ainda não realizada por nenhuma montagem, do clássico drama brasiliano.

“Estamos discutindo traição de classe e de raça”, diz Jé citando a metáfora da traição conjugal. “Ele troca Joana por uma mulher mais nova, então discutimos também o feminismo. Jasão também é preto e com ele debatemos a ascensão social e a legitimidade ética disso.”

Para Juçara, Joana representa a mulher oprimida desde a formação do Brasil. O grito oprimido desta camada da sociedade. As relações humanas servem de pretexto para questionar essas posições sociais, como se cada um de representasse um lugar, um grupo. “Ela é a mulher que foi violentada, agredida. A pessoa sem voz que quer se vingar e não sabe como”, explica a atriz.

“Quando o Jé resolveu montar Gota D’Água mais preta, a proposta foi trazer o universo da periferia para a cena. Com os acentos, não só os percussivos, mas os da cultura de periferia mesmo”, aponta o músico Fernando Alabê.

O sagrado também está presente na música. “Com pessoas da comunidade negra é natural que as religiões de matriz africana estejam presentes. Tem canto de candomblé, de umbanda e o jongo – dança de roda de origem africana com acompanhamento de tambores – serve de base. Tentamos trazer para a peça a maneira que o negro entende sua divindade”, realça Juçara.

O diretor musical, William Guedes, propôs uma instrumentação de saxofone somada a discotecagem do DJ Tano, do Záfrica Brasil, junto com percussão, guitarra, violão e cavaco. “Com isso, temos uma estrutura musical que desfolcloriza a musicalidade de periferia, a musicalidade negra, que é o cerne desta peça”, observa Alabê.

O cenário também traz a representação da religiosidade afro-brasileira na concepção do artista Julio Dojczar, do coletivo casadalapa. Painéis simbolizando os Orixás e elementos de cena como a imagem de Ogum / São Jorge compõem o palco que remonta o período setentista em uma montagem que, assim como a encenação, busca a percepção do todo pela parte. As representações não são realistas, mas induzem a criação imagética do espaço de cena.

Além de Jé Oliveira e Juçara Marçal, a montagem traz ainda em cena a atriz, diretora e dançarina Aysha Nascimento (Coletivo Negro), a atriz e bailarina Marina Esteves, a atriz Martinha Soares, o ator Mateus Sousa, o ator, diretor e artista-educador Ícaro Rodrigues, o ator e diretor Rodrigo Mercadante (Cia do Tijolo) e o ator Sérgio Pires.

Gota D’Água {PRETA}

De 12 a 28 de julho.

Sextas e sábados, às 20h; e domingos, às 18h.

No Teatro.

Ingressos nos valores de R$ 20,00 (inteira), R$ 10,00 (meia-entrada) e R$ 6,00 (trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes com Credencial Plena). Disponíveis no Portal Sesc SP ou nas Bilheterias da Rede Sesc.

Recomendação etária: 14 anos.

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