Governo quebra acordo com povo Munduruku e inicia operação militar no Pará

Aviões dão rasantes em município e comunidades. Ofícios comprovam que decisão por retomada de trabalhos ocorreu dias depois de tumultuada reunião em Jacareacanga

Por: Renato Santana

Aviões e tropas da Força Nacional estão em Jacareacanga, município ao sul do Pará, para garantir a entrada de 130 técnicos no território indígena Munduruku para estudos necessários às usinas hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. De acordo com lideranças indígenas, as tropas empreendem exercícios de guerra, com voos rasantes e mobilidade das tropas em pontos estratégicos da cidade.

O envio dos técnicos e a operação da Força Nacional, porém, fazem parte da quebra de acordo do governo federal com os Munduruku. Após o povo deter três pesquisadores na terra indígena, no início de julho, o governo federal suspendeu os estudos das usinas até a regulamentação do direito à Consulta Prévia – Convenção 169. O que nunca ocorreu.

No entanto, à sombra de tal acordo, a trama da retomada dos estudos se fiou. Durante reunião de caciques e lideranças Munduruku, no último dia 3, o prefeito de Jacareacanga, Raulien Queiroz, do PT, com força policial e institucional, comandou a destituição dos principais dirigentes da Associação Pusuru. Além disso, impediu manifestações contra a construção das usinas hidrelétricas no rio Tapajós.

Quatro dias depois do encontro em Jacareacanga, denunciado pelos Munduruku como forma de enfraquecer a organização interna num movimento orquestrado pelo governo federal, o secretário executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Francisco Romário Wojcicki, assinou documento enviado para a presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, comunicando a retomada dos estudos no rio Tapajós.

No documento, Wojcicki informa que um dia antes, 6 de agosto, representantes dos ministérios de Minas e Energia, Planejamento, Orçamento e Gestão, Justiça e Secretaria Geral da Presidência da República, órgão responsável pela regulamentação da Consulta Prévia, decidiram pela retomada dos estudos no último dia 10. A Funai apenas foi comunicada da decisão, cujo estudo segue até 10 de setembro e, numa segunda etapa, entre 15 de setembro e 20 de novembro.

Sem questionamentos, a presidente da Funai, Maria Augusta, enviou, no último dia 8, ofício para a Associação Pusuru comunicando o retorno dos técnicos para dali dois dias. Mesmo com um representante do órgão indigenista presenciando tudo o que ocorreu no encontro do dia 3, Maria Augusta parabenizou a “importante reunião acontecida no dia 3 de agosto”. Em ligeira confusão, disse que Jacareacanga fica no Mato Grosso.

“Tudo isso está muito estranho. Os caciques e as lideranças têm certeza de que tudo tem relação, a reunião do dia 3 com esses documentos apenas comunicando a volta dos estudos. A Força Nacional está com caminhão e carros. Circulam pela cidade e nas redondezas”, declara Maria Leusa Munduruku.

Fora da terra indígena

No ofício enviado pelo Ministério de Minas e Energia para a Funai não há nenhuma menção se os técnicos entrarão ou não na terra ou território Munduruku. Ainda assim, a presidente da Funai fez questão de frisar que os estudos ocorrerão fora da área indígena. Em nenhum dos dois documentos, porém, é citada a presença da Força Nacional e como a operação dos agentes militares ocorreria. Mais uma vez Maria Augusta não demonstra questionamentos.

“Os pesquisadores entram no nosso território, mas mesmo se não entrassem as usinas vão atingir tudo, então não pode ser desculpa. O governo quebrou acordo e quer impor projeto contra nós. Vamos resistir”, afirma Maria Leusa. A Munduruku lembra que não foram consultados quanto aos empreendimentos. A primeira parte dos estudos, comunicada à Funai pelo Ministério de Minas e Energia, ocorrerá entre os municípios de Jacareacanga e Trairão (usina de Jatobá) e a segunda entre os municípios de Itaituba e Trairão (usina de São Luiz do Tapajós).

“Não tem como os pesquisadores não passarem nas nossas terras. Aliás, tudo isso é nosso território, que reivindicamos. Se essas usinas saírem, nossas aldeias serão inundadas. Nossos locais sagrados serão inundados. Então é até um absurdo a gente ter que ouvir que os técnicos não entram. A Funai deveria tomar vergonha”, declara de forma enfática Maria Leusa.

 

Fonte: Brasil de Fato 

+ sobre o tema

13 livros infantis para ensinar a importância dos direitos humanos às crianças

Você conhece Malala? "Sim. Minha professora de história me contou...

Saúde: 307 crianças ianomâmis desnutridas foram resgatadas em 2023

Ao longo do ano de 2023, 307 crianças ianomâmis diagnosticadas com...

Discriminação ainda atrapalha empreendedor negro, diz BID

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está de olho...

para lembrar

SEPPIR realiza reunião nacional de órgãos de PIR

Todos os estados do país e o Distrito...

Anibal Faúndes: O homem que aprendeu a enxergar as mulheres

Médico chileno que ajudou a transformar os cuidados com...

Trabalhadores haitianos em São Paulo são cobiçados por empresários do País

Cerca de 20 empresas já procuraram o Ministério do...
spot_imgspot_img

Transição Justa é pauta de evento de Geledés sobre a COP30

A COP30 será uma oportunidade para colocar a agenda racial do Sul Global no centro das negociações das temáticas sobre Transição Justa, Gênero, Adaptação...

Morre Marielle Ramires, fundadora do Midia Ninja e do Fora do Eixo

A jornalista e ativista Marielle Ramires, uma das fundadoras do Mídia Ninja e do Fora do Eixo, morreu nesta terça-feira (29), em consequência de um câncer no estômago. De acordo...

Ajuliacosta e Ana Paula Xongani participam de conversa sobre comunicação com jovens formados por Geledés 

Como parte da programação de aniversário de 37 anos de Geledés - Instituto da Mulher Negra, ocorreu no dia 26 de abril um encontro...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.