Grandes empresas do país não sabem incluir diversidade

Entre as 20 maiores organizações de capital nacional apenas duas apresentam política própria

Danielly Santos foi selecionada em processo, mas segundo empresa, seus traços e cabelos “não encaixavam no perfil desejado”

Por Ludmila Pizarro  Do O Tempo

No Brasil, 53,6% das pessoas se declaram negras (pretas ou pardas) segundo o IBGE, mas entre os executivos das 500 maiores corporações do país, apenas 4,7% se reconhecem como tal, afirma a pesquisa Diversidade no Contexto das Empresas Brasileiras, realizada pela consultoria 4CO Cappellano e Carramenha.

Quando se trata de mulheres, o estudo mostra que elas compõem apenas 11% dos conselhos administrativos brasileiros, mesmo sendo 51,4% da população brasileira. Entre as 20 maiores empresas em faturamento do Brasil, apenas duas têm alguma política de inclusão para a diversidade no ambiente organizacional, segundo a sócia-diretora da 4CO, Thatiana Cappellano.

“As empresas não conseguem nem discutir o tema, não têm políticas que promovam a diversidade e retenham esse indivíduo. Não são capazes de trazer o diverso, reter, dar espaço para ele crescer”, afirma Thatiana. A pesquisa abrange mulheres na liderança, pessoas negras, pessoas com deficiência (PCDs) e o público LGBT, incluindo a orientação sexual e a identidade de gênero.

Entre as 20 grandes empresas procuradas, 16 responderam o contato. Dessas, quatro informaram que não participariam – duas porque não tinham nada para contribuir e duas porque não consideram o tema relevante e o classificaram como “modismo”. “As empresas precisam entender que não se trata de modismo. Porque o público (ligado à diversidade) consome, produz, tem filho, família, e todos são impactados”, diz a empresária e advogada Márcia Rocha, realizadora do TransEmpregos (transempregos.com.br) e membro da comissão de diversidade da OAB-SP.

Uma das conclusões da pesquisa é como o preconceito é recorrente. A tolerância é tida como inclusão. “Mesmo aquelas abertas ao debate promovem o normativo. Buscam a mulher negra que alisa o cabelo, o homossexual discreto, a PCD com uma deficiência leve”, conta Tathiana. A gestora de RH Danielly Mendes dos Santos, 23, percebeu isso na pele. Ela fez um processo seletivo para ser líder de RH da área de serviços gerais e zeladoria em Belo Horizonte e foi selecionada. “A vaga era minha, deram-me até um prazo para pedir demissão de onde trabalhava”, conta. A seleção era apenas para mulheres negras e fazia parte do programa de diversidade de uma multinacional. “O processo foi externo, com uma empresa terceirizada. Quando cheguei lá, fui informada que não ficaria. A psicóloga da empresa me disse que eu tinha traços negros demais e que meu cabelo iria incentivar as outras funcionárias a usar o cabelo bagunçado”, relata. “As empresas usam critérios de passabilidade. Quando a pessoa é negra ou assume o cabelo, não é recrutada”, avalia.

Intolerância é vista como brincadeira

Segundo a pesquisa sobre diversidade nas organizações, 61% dos profissionais LGBT escondem sua orientação ou identidade no ambiente de trabalho, e a intolerância é tratada como “piada”. “Não é só brincadeira. As empresas devem criar canais para as pessoas relatarem ofensas e agir para que elas cessem. Mas a maioria não faz nada”, diz Tathiana Cappellano, sócia da 4CO, que realizou o estudo. “Fiquei um ano ouvindo piadinha e escondendo quem eu sou. Cheguei a reclamar no RH, mas a responsável pela área na empresa ficou de mãos atadas”, conta o farmacêutico Felipe Oliveira, 25. “Não podia levar meu namorado em uma festa da empresa. Para me manter, ‘ficava no armário’”, diz Oliveira, que tem pós-graduação e pediu demissão.

André Sena, 21, conta que não esconde sua orientação sexual no trabalho, mas que não é fácil. “Se todo mundo já tem que matar um leão por dia, a população LGBT tem que matar três. O avanço vem aos poucos, já deixei de pintar o cabelo para garantir uma vaga de emprego”, afirma.

Cabelo e traços

“Eles queriam uma gestora de recursos humanos, mulher negra, para o programa de diversidade da empresa. Quando cheguei lá, para treinamento, eles alegaram que, por causa do meu cabelo, eu iria incentivar as outras mulheres a deixarem o cabelo delas bagunçado. A psicóloga ainda disse que eu tinha muitos traços negros. Ela foi sincera.”

Danielly Mendes dos Santos

Youtuber e gestora de RH

Ação LGBT

Debate. Fórum de Empresas e Direitos LGBT reúne 46 companhias, na maioria multinacionais e de tecnologia, que estão discutindo a inclusão do público LGBTQIA+ no país.

As 20 maiores

Pesquisa. Ranking publicado pela revista “Forbes” das 20 maiores empresas nacionais em faturamento no ano de 2016. A pesquisa Diversidade no Contexto das Empresas Brasileiras foi feita a partir dessa lista.*

1 Itaú Unibanco Holding

2 Banco Bradesco

3 Banco do Brasil

4 Vale

5 Petrobras

6 Eletrobrás

7 Itaúsa

8 JBS

9 Ultrapar Participações

10 Cielo

11 Braskem

12 BRF

13 Sabesp

14 Oi

15 Metalúrgica Gerdau

16 Companhia Brasileira de Distribuição

17 CCR

18 B3

19 CPFL Energia

20 Kroton Educacional

* Os resultados de cada empresa são sigilosos.

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