Gregório Duvivier fala ao Correio sobre livro de ilustrações

O comediante e escritor circula com elegância por temas que vão da política à cultura. Confira a entrevista

Por Nahima Maciel, do Correio Braziliense 

Foi preciso perder o iPhone e ficar um mês sem celular para o comediante e escritor Gregório Duvivier notar como havia perdido momentos preciosos de ócio. Sem o aparelho, ele voltou a carregar um caderninho de desenho e a traçar algumas “bobagens” entre o pedido de um cafezinho e a chegada dele. Um dia, os olhos de alguém da equipe da Companhia das Letras caíram sobre o bloco de anotações e Duvivier começou a pensar que realmente poderia render um livro. Percatempos — Tudo que faço quando não sei o que fazer nasceu assim, de dois acasos e de uma sina, a de desenhar desde pequenino.

O autor costuma dizer que escrever livros é criar mundos. Pois Percatempos é um mundo de linguagem, de brincadeiras, de trapaças linguísticas e, como diz Duvivier, de besteiras também. “Tem um lugar do humor que é aquele de acordar as palavras adormecidas. Nesse lugar, o humor parece um pouco com a poesia, no sentido de dar um choque naquilo que você sempre ouve, nas ideias recebidas. O que eu tento fazer é mostrar que essas ideias são, muitas vezes, mentirosas, e que nada é tão definitivo quanto parece”, explica o escritor.

As influências, Duvivier encontrou em vários cantos. Em Millôr, cujo pensamento ele gosta de citar; em Sempé, cujos traços são claramente uma referência; em Saul Steinberg, dono de economia presente em Percatempos. Terceiro livro do escritor depois de um volume de poesias e outro de crônicas, a publicação em formato de caderneta encantou pares como Laerte, que o classificou como “um gozo total de grafismos e ideias” e André Dahmer, que chama o autor de “artista puro”.

O livro
A ideia veio de tornar públicas besteiras que penso ao longo do dia, epifanias triviais que não dão em nada, que a gente tem durante momentos de ócio e que, em geral, despreza. Fiquei sem desenhar um bom tempo. Perdi meu iPhone e comprei um caderninho, aí fiquei um tempinho sem celular. Foi quando vi como a gente recorre ao iPhone em qualquer momento livre. O celular acabou matando o tempo morto porque a gente passa a ocupar o tempo livre com o celular. O tempo morto da vida era muito produtivo, porque a gente pensava as besteiras, tinha as ideias sobre a vida; era um tempo que não tinha nada de morto, pelo contrário, era muito cheio de vida. O caderno trouxe de volta um pouco da produção.


Política

A política é o terreno mais cheio de ideias recebidas no mundo. As pessoas não param nem um segundo para questionar as verdades estabelecidas. A gente aprendeu que o Brasil é um país corrupto e parece que isso virou uma condenação, um fato, uma sina incontornável. Eu não acredito nisso, não acho que sejamos um país corrupto, essencialmente. Somos um país com muita gente corrupta, mas tá longe de ser uma condenação. Acho que, inclusive, a gente nunca foi tão pouco corrupto, com pessoas sendo presas e responsabilizadas por crimes pelos quais nunca foram responsabilizadas na história do Brasil. Consigo ver a política com certo otimismo. A quantidade de informação hoje em dia faz parecer que nunca se roubou tanto ou que nunca se matou tanto, mas, felizmente, nunca se matou e roubou tão pouco quanto hoje. A tecnologia pode trazer um empoderamento para mudar totalmente as relações políticas e as relações de poder.

Corrupção
Outro dia vi um cara pedindo pena de morte para corruptos. Falei: “Tá bom, mas você sabe que vai morrer muita gente na sua família, né? Inclusive você, porque, que eu saiba, esse seu celular, você não declarou quando trouxe na alfândega”. A pessoa disse “ah, mas é diferente, uma coisa é sonegação, outra é corrupção”. Eu não acho que seja diferente. Acho que é a mesma coisa, são duas caras do mesmo mal. Todo mundo sonega no Brasil. Todo mundo não, só os ricos. É muito fácil exigir uma rigidez com a corrupção sem olhar para os corruptos amigos. É o problema do brasileiro: as pessoas pedem o fim da impunidade para os outros. E me incomoda muito essa indignação coletiva só com o crime dos outros. O nosso crime é fofo, é passível de compaixão; o dos outros, não. É isso que as pessoas pensam. Claro que o PSDB também roubava, mas não roubava por mal. Eram fofos, roubavam sem querer, eram obrigados a roubar. E o PT fala a mesma coisa, “fomos obrigados”. Nosso roubo é sempre tranquilo e o dos outros é criminoso. É uma indignação seletiva.

Debate público
O Brasil nunca foi um lugar de debate. Sempre foi um lugar em que as experiências foram aplacadas pelo poder do Estado. Darcy Ribeiro diz que inventaram que somos um país pacífico. É mentira. Somos um país apassivado, um país silenciado pelas forças policiais do Estado. As revoltas no Brasil aconteceram, foram muitas e foram massacradas. A divergência política no Brasil tem muito pouco tempo, a democracia tem 25 anos, a gente não sabe discutir. Logo na primeira discussão já vem gente querendo intervenção militar, o fim da democracia. O único lugar em que você tem disputa, pessoas dizendo coisas opostas, é no futebol, e as pessoas acham que a discussão política é igual ao futebol. Só que a diferença entre política e futebol é que você pode mudar de ideia. No futebol não, você não muda de time. Então as pessoas têm uma reação com a opinião delas como quem tem com Flamengo ou Fluminense. É uma discussão apaixonada e sem nenhum embasamento. Você não precisa de embasamento para defender um time. Basta você torcer pra ele.

Humor
O lugar do humor é no oposto do fanatismo. Acho que ele está aí pra puxar o tapete. A função do humor é instaurar a dúvida onde há certeza, é confundir. Se “defendo”, por exemplo, o PT, é para confundir, porque não tem ninguém fazendo isso. Aí falam “ah, tem gente defendendo o PT, tem imprensa governista e imprensa de oposição”. Não tem imprensa governista, tem é imprensa de oposição. A imprensa governista, em termos de circulação, é 2% da imprensa. Tem uma falsa simetria aí, não é justo falar que os dois lados são horríveis. Sim, os dois lados são horríveis, a diferença é que um é muito mais poderoso. Por isso me posiciono, volta e meia, do outro lado, porque percebi que é mais engraçado de estar. Quando vejo uma multidão enfurecida gritando pela intervenção militar ou cantando o hino, sinto calafrios, porque evoca a ditadura, o patriotismo, que acho uma cagada. Patriotismo nunca levou ninguém a lugar bom nenhum. Não existe patriotismo do bem. E quando vejo uma multidão com camisa do Brasil abraçada em bandeira chorando e cantando o hino, não consigo achar bom.

Feminismo
Acho uma delícia, pena que chegou tão tarde no Brasil. Vejo uma mudança de paradigma muito forte, tanto nas mulheres quanto nos homens. Vejo amigos meus hoje chocados com os relatos do meu primeiro assédio e do meu amigo secreto, com muito medo de estarem enquadrados em um desses dois. Acho muito bom que o homem comece a ter medo, porque o medo, antigamente, era privilégio da mulher. Acho bom que o homem agora tenha medo também do ridículo e que o machismo passe a ser ridículo. Essas duas hashtags expunham o homem, o agressor, e acho isso muito importante porque, às vezes, se tem mais medo do ridículo do que da polícia. Vi muitos amigos apavorados, pessoas que não se viam como machistas percebendo que eram machistas. O primeiro passo é a gente abrir os olhos para nosso próprio machismo e ver que, na verdade, estamos muito mais contaminados do que pensamos. O machismo está muito entranhado.

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ercatempos —
Tudo que faço quando não sei o que fazer

De Gregório Duvivier. Companhia das Letras, 112 páginas. R$ 34,90.

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