Em Belo Horizonte, apresentações acontecem de 2 a 6 de setembro
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Bailarinos do Corpo ensaiam na sede da companhia, no Bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Quando os bailarinos do Grupo Corpo pisam no palco, convocam para algo maior. Convidam o espectador a trocar o banal pela transcendência. Até os mais céticos chegam ao final das apresentações com a certeza de que seres humanos podem ser deuses. No 39º espetáculo da companhia mineira, a conexão com o divino se faz de maneira explícita. Do encontro com o trio Metá Metá nasceu Gira, que estreia em 4 de agosto, em São Paulo, e chega a Belo Horizonte em 2 de setembro.
O Corpo imergiu nas tradições africanas, que se materializam em encontros em que não podem faltar tambor, dança, comida e festa. Um dos momentos para religar o humano e o divino, a gira – como se denominam o espaço e o momento em que as entidades descem para que homens e mulheres se elevem – é uma das principais celebrações da umbanda. Quem chega ao terreiro aprende que a dança é um dos caminhos que levam à transcendência. A partir dela, não só encontramos os orixás, como nos tornamos parte deles. Com muito respeito, o grupo nos convida a conhecer a riqueza do universo da cultura afro-brasileira.
Se nessa cultura a premissa é o respeito aos mais velhos, a voz de Elza Soares, que canta em dois momentos da trilha, é autorização para seguir, sem medo do que vem pela frente. As composições do paulistano Metá Metá, cujo nome em iorubá significa “três ao mesmo tempo”, apresentam Exu, mostrando o quanto ele é energia da criação, mensageiro entre céu e Terra – de certa forma, o senhor do caos no que ele tem de potente e inovador. Não poderia ser diferente, pois cabe a Exu reger a sexualidade e fazer a mediação entre seres humanos e orixás.
Grupo Corpo e Metá Metá apresentam forte interpretação de Exu, desfazendo quaisquer mal-entendidos que possam associá-lo ao negativo, a forças diabólicas. Juçara Marçal (voz), Thiago França (sax) e Kilo Dinucci (guitarra) trazem sonoridade marcada por instrumentos de sopro, sem deixar de lado as percussões que tanto caracterizam os cultos africanos.
Dayanne Amaral: ‘Foi o meu primeiro contato com a umbanda. Vi que a Maria Padilha tinha um pouco de mim, uma sensualidade forte. Depois que terminar a turnê, pretendo voltar para agradecer’ (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Os bailarinos mostram que Exu é belo e faceiro – os movimentos dão pistas das gestualidades dos terreiros, sem ser óbvios. “Não queríamos trazer o terreiro para o palco. Ele existe no espaço dele”, afirma a bailarina Yasmin Almeida, de 24 anos, cinco deles dedicados ao grupo. É dela um dos solos mais emocionantes, incorporando toda a dualidade de Exu. “A gente empresta o corpo para a entidade trabalhar. Você é parte dela e ela é parte de você”, diz. Yasmin frequenta o candomblé desde os 13 anos, mas nem todos os bailarinos (são 21 em cena) tinham familiaridade com esse universo. Para compor o espetáculo, muitos deles foram a espaços de umbanda, como a Casa do Divino Espírito Santo, conduzida pelo pai de santo Marcelo de Oliveira, em BH.
“No solo, apresento uma energia mais masculina. A montagem se torna mais especial quando você tem envolvimento direto, quando você dança sobre o que acredita, o que te rege e te faz andar para a frente”, completa Yasmin.
O coreógrafo Rodrigo Pederneiras se aproximou dos terreiros devido ao espetáculo. “Conversei com o Tranca-Ruas, que ficou feliz ao saber que será homenageado”, revela, lembrando que há muita ignorância em relação aos cultos afro-brasileiros. Tranca-Ruas, Maria Padilha, Preto Velho e Pombagira são algumas das entidades a que o novo espetáculo se refere.
Maria Padilha “Foi o meu primeiro contato com a umbanda. Vi que a Maria Padilha tinha um pouco de mim, uma sensualidade forte. Depois que terminar a turnê, pretendo voltar para agradecer”, diz a bailarina Dayanne Amaral, de 25, responsável por um dos solos.
Paulo Pederneiras preparou surpresas como o “não cenário”, concebido como uma instalação. Diferentemente de outros espetáculos, em que entre um número e outro os bailarinos vão para as coxias, desta vez eles ficam todo o tempo no palco. Para demarcar a saída de cena haverá um véu. Os bailarinos estarão perfilados em cadeiras. Cada um receberá iluminação tênue.
Nos figurinos, Freusa Zechmeister propõe linguagem não demarcada por gêneros: bailarinos e bailarinas aparecem de torso nu e com saias brancas de tecido cru. “A saia é um permissor para que a coreografia possa acontecer. Vi o branco no terreiro e me encantei”, conclui a figurinista.
GIRA
Espetáculo do Grupo Corpo. De 4 a 13 de agosto, no Teatro Alfa, em São Paulo. De 23 a 27 de agosto, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. De 2 a 6 de setembro, no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro de BH). Sábado, segunda, terça e quarta, às 20h30; domingo às 19h. Ingressos: R$ 90 (inteira) e R$ 45 (meia-entrada).
*Na turnê de Gira, será exibido também o espetáculo Bach (1996), com coreografia de Rodrio Pederneiras e música de Marco Antônio Guimarães (sobre a obra de J.S.Bach)