Guarda-sol, guarda-chuva, guarda o meu e que vocês se danem! – Por: Cidinha da Silva

Não sou eleitora de Lúcio Vieira Lima, para dizer a verdade, nem o conhecia, mas o deputado ganhou minha simpatia. Gosto de gente que, no exercício da função pública ultrapassa os limites do próprio umbigo e faz aquilo que deveria ser sua função precípua, cuida do interesse público.

Cobrar explicações (em público) de Ademar Delgado, prefeito de Camaçari, sobre reminiscências do escravismo colonial evocadas por sua cândida atitude de proteger-se sob um guarda-chuva, empunhado por funcionário negro durante confraternização após a lavagem da Barra de Pojuca, é cuidar do interesse público.

A mim não interessa que os dois políticos sejam de partidos diferentes. Essa é a tônica da moçada preocupada em defender os partidos e seus membros para além da coerência, ética e transparência. Sou eleitora do partido do prefeito, aviso, mas não existe afinação de campo político que turve meu olhar quando se trata de detectar o racismo ou outras opressões em atitudes cotidianos e levadas a termo por qualquer pessoa.

Entretanto, no afã de argumentar que existe um pessoal que “vê racismo em tudo”, uns e outros poderiam dizer que Ademar Delgado deu azar, fosse o segurador do guarda-sol um correligionário branco, ninguém se importaria. Não sei, não. No ano de 1996, em Treviso, durante debate com Olivero Toscani, publicitário responsável pelas campanhas multiétinicas da Benetton, eu dizia a ele: “se seu objetivo é realmente mexer com o que está estagnado na sociedade brasileira, sugiro que você coloque brancos em posições compreendidas como lugar de negros, por exemplo, experimente um cartaz de mulher branca amamentando criança negra e prepare-se para reações inimagináveis!”

Os argumentos de Ademir Delgado no diálogo com Lúcio Lima são paradigmáticos do lugar de privilégio racial e de classe internalizado pelo prefeito. Vejamos, quando deputado questiona o prefeito sobre o absurdo (imagem de servidão) que a situação evidencia, ele retruca: “vamos falar de coisas importantes”. O deputado responde: “isso é coisa importante rapaz, como é que você faz aquilo com o rapaz”? – Lúcio Lima traz o segurador do guarda-sol, um homem negro, para a posição de sujeito na cena, manipulado pela concepção de poder de Ademir Delgado. “Eu não fiz nada. Estava chovendo”, respondeu Delgado, prontamente corrigido por Lima, “não estava chovendo nada, você botou de sacanagem”. Destemperado, o prefeito rebate: “meu ouvido não é penico” e Lima, educativo, conclui com uma pergunta que lembra ao prefeito que ele mesmo se colocou na posição de penico em sua performance: “você considera isso merda? Considera pouca coisa?”

Finalizada a conversa com o deputado, em entrevista a programa jornalístico local, o prefeito gagueja para explicar o indefensável, mas, não se digna a pedir desculpas (pelo menos). Daqui a pouco o segurador do guarda-sol será convocado a declarar que fez aquilo por vontade própria, por preocupação com o bem estar do prefeito e coisa e tal. Tudo ficará bem porque a figura de “negro da casa” é palatável para a maioria.

 

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