Há quatro anos sou preta. Preta! Nasci!

Nasci 🖤

Quero parir palavras de meu ventre, para que com esse movimento traga ao mundo palavras vivas, sentidas, afetuosas e assim possa continuar escrevendo e dançando com a vida. Talvez enxergue nisso uma chance para honrar até o último cacho da minha cor, nossa ancestralidade.

Confesso, que não é um processo fácil colocá-las no papel, mas continuo tentando romper com as amarras que tentam me silenciar, pois a escrita é como uma grande narrativa e através do narrar podemos reinventar a realidade ou expor o que realmente acontece. Já que somos feitos de nossos sonhos e nossas lutas, devemos sempre continuar escrevendo nossos desejos, anseios e dores.

Nessa dança de tantos enfrentamentos contra as imposições, os tremores e as fissuras que nos cortam por toda a parte. Inclusive nas palavras. Já não estamos mais tão certos de que elas vão nos ajudar a despertar. Creio que elas precisam de uma nova ordem, precisam vir ao mundo de lugares, etnias e classes sociais diferentes.

Vejo a escrita como uma criança em frente ao mar, ao rio ou mesmo em um balanço ao entardecer. Verdade, a escrita é uma intensa narrativa e sigo inventando, reinventando e através do narrar, expondo a realidade que me atravessa inteira desde do meu corpo na infância.

 Mas esse texto é uma prosa ou uma poesia? É o que você quiser que seja! É o aquilombar! Relacionado à escrita desprendida de imposições cultas e determinadas, apenas escrevo para desassossegar o canto, fortalecendo a crença que sou feita, sonho e luta, travada na certeza de que temos sempre que continuar…esperançar!

Que desta gestação venham palavras paridas; palavras sentidas; palavras políticas; palavras soltas; palavras libertárias; para assim, encher meu ventre até transbordar.

 E ao transbordar, dou luz a estas palavras, como ato de resistência de minha negritude, e não me limito às imposições determinadas pela linguística. Por isso, digo e repito, o parto desta revela o nascimento de palavras que são usadas no cotidiano para assim alcançar todxs nós.

Nessas contrações aproveito qualquer folha em branco para afirmar meu lugar, minha cor, meu lar. Corpo político e de potência, me mostrou que sou mais que cor. Pardo é o papel, menina! Eu sou preta. Há quatro anos preta. Preta!

E hoje grito meu nascimento de outrora e empoderamento de agora, porque sim: a Preta chegou para ocupar o seu lugar! O lugar que eu quiser! A Preta escreve o que sente, o que a machuca, o que tenta silenciar! Nasci!

Atrevo-me nesta prosa a contar a vocês que outras iguais a mim encontrei pelo caminho, você, Neuza, Nilza, Cláudia, Carolina. Mas uma tentou me fazer acreditar que meu cabelo, minha ancestralidade, era loucura! Feia, eu? Doida, eu?

Meus cachos dizem que não. Apontam para ti como quem compra uma briga secular e diz: não me envergo, não me encurvo e não aceito estar escorrido igual ao seu.

Essa sou eu, a preta do cabelo cacheado, que pariu essas palavras vivas!

     Aline Botelho🌻🖤

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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