‘Há relação entre negros e pobreza’, diz Nkosinati Biko sobre a desigualdade racial

Apesar do apartheid ter acabado, a desigualdade racial ainda impera na África do Sul. É o que afirma o escritor Nkosinati Biko, 41 anos, filho do ativista antiapartheid Steve Biko, morto em 1977. Em visita a Salvador, Biko conversou com a reportagem de A TARDE, na sede do instituto que leva o nome de seu pai, localizada no Pelourinho.

Qual o legado que Steve Biko deixou para o mundo?

Meu pai nos ensinou a trabalhar o aspecto psicológico do racismo, a não nos menosprezarmos. Por um lado, nos mostra que a discriminação racial é fruto da colonização e, por isso, ainda é tão forte, porque é uma questão histórica. Por outro lado, Steve Biko nos ensina a lidar com a pressuposição de superioridade, que não somos inferiores. Ele dizia que todos somos humanos e iguais.

Graças a ativistas como Steve Biko, o apartheid acabou. Como está a África do Sul após o fim deste regime?

A África Sul é o país em que se encontra a maior lacuna econômica entre ricos e pobres, pois a renda se concentra nas mãos de poucos. Tivemos um grande crescimento econômico, mas esta performance não se reverte em benefícios para toda a população. Temos ainda muitos desafios pela frente no que diz respeito à educação, saúde, desemprego, pobreza e muitos outros fatores.

O senhor acredita que na África do Sul a pobreza está relacionada à negritude?

Sim. Os mais pobres da África do Sul são negros. Então, há sim uma relação entre negritude e pobreza. Não acredito, porém, que isto se restrinja à África do Sul, mas ao Brasil e outros países também.

Qual o principal motivo de as desigualdades permanecerem mesmo após o fim do apartheid?

O Brasil foi colonizado segundos os padrões impostos pelos portugueses. Outros foram colonizados por ingleses, alemães e italianos. Mas há uma questão que é comum a estas colonizações: elas utilizaram a raça para distinguir as pessoas, conferindo valores diferentes para grupos raciais diferentes. Historicamente, as diretrizes políticas e as regras negavam às pessoas os direitos iguais. E isto acabou criando nos negros uma sensação de autoexclusão. Por isso, é importante trabalhar a autoestima.

Como está a questão democrática na África do Sul pós apartheid?

Qualquer pessoa que acredite na democracia, reconhecerá que há um ar de liberdade política que é inegável no contexto sul-africano. Todos têm o direito de votar e já fizeram isso em três ocasiões consecutivas. E isto está acontecendo em todo o continente africano. Nos últimos 5 anos, ocorreram 50 eleições no continente, todas de forma pacífica.

Qual a principal reinvidicação da população negra na África do Sul?

Queremos é um sistema que recompense aquele que trabalha mais na sociedade, independente da cor da sua pele. Não faz sentido que tenhamos um grupo tão amplo da população operando nas margens do sistema econômico e sendo mal recompensado. Creio que isto também é aplicável no Brasil.

Quais são os principais desafios para acabar com as desigualdades raciais?

Eu não acredito que seja possível fazer transição sem que haja sacrifício em nível nacional. Esta é uma questão que a África do Sul ainda precisa dialogar. Precisamos concordar, de forma coletiva, sobre um programa nacional que pessoas que têm muitos privilégios percam um pouco deles para favorecer aqueles que mais trabalham.

Para finalizar, quais são suas principais memórias de Steve Biko?

Quando ele morreu, eu tinha apenas seis anos. Mas lembro que quando ele ficou em prisão domiciliar, estava o tempo todo conosco. Então empinávamos pipa e brincávamos no jardim. Até que um dia ele saiu de casa, se despediu de nós e, dias depois, ficamos sabendo de sua morte, o que foi muito doloroso.

 

 

Fonte: A Tarde

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