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No Brasil desde 2008, sociólogo defende que reconstrução do país espalhou zonas para exploração de mão-de-obra haitiana
“A afluência de haitianos sem documentos à procura de vida melhor no Brasil não basta para deixar claro que o humanitarismo da ONU não está construindo um paraíso para a massa dos haitianos no Haiti?” A questão feita em boa hora está em uma das 400 páginas de uma tese de doutorado defendida no Instituto de Filosofia da Unicamp no mês passado. O autor? Um haitiano, pai de duas filhas, que vive no Brasil desde 2008.
O sociólogo Franck Seguy defendia sua tese na mesma época em que uma enchente no Acre aumentava ainda mais o fluxo de compatriotas que desembarcavam em São Paulo. Só em abril, foram 650 pessoas, a maioria recebida às pressas pela paróquia Nossa Senhora da Paz, no bairro da Liberdade (assista ao vídeo, abaixo). “Dez mil haitianos entraram pelo Brasil via Peru só em 2012”, escreve Seguy em seu trabalho, cujo título não deixa margem à dúvida: “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti.”
Empresários buscam mão-de-obra haitiana em abrigo em SP, assista:
A Internacional Comunitária é definida por ele como o conjunto de países que se uniram para reconstruir o Haiti depois que um terremoto matou 300 mil pessoas e deixou 2,3 milhões de desabrigados há quatro anos. Seguy explica em sua tese que esse grupo redigiu um Plano de Ação para Reerguer e Desenvolver o Haiti (PARDN) logo depois do desastre. O projeto, no entanto, teria outra finalidade.
De acordo com o sociólogo, o texto se resume em diretrizes para criar zonas francas e infraestrutura adequada para recebe-las. “Elas têm a vocação para atender às demandas do capital transnacional, chamado setor privado internacional na linguagem do Plan d’action”, escreve Seguy.
Ao iG, o estudioso afirma que o “Haiti está se tornando uma colônia” aos moldes do século 21, cujo senhor é o “capital transnacional”. “Muitas ONGs são corruptas e as construções de fato não foram feitas para a população local”, confirma o padre Paolo Parise, da Missão Paz, presente no Haiti antes mesmo do terremoto.
Um dia antes do primeiro aniversário do terremoto, o governo haitiano assinou um acordo com a então secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a companhia têxtil coreana Sae-A Trading. A partir daquele dia, 366 famílias precisaram deixar o lugar e até hoje aguardam indenização, escreve o autor.
Outro exemplo é a região em que se concentram a “reconstrução do país”: “Tudo o que se faz é no nordeste, embora o terremoto tenha atingido o oeste e um pouco do sudeste do país”, lamenta o sociólogo.
As tropas brasileiras e o futuro
Para Seguy, o Brasil também contribui para a “recolonização” ao comandar as forças de segurança. Ele avalia que a liderança do Brasil vem assumindo “pretensões sub-imperialistas”. “O Haiti não tem exército, nem uma policia militar nacional suficientemente treinada para repressão. A Internacional Comunitária contrata soldados e policiais de outros países.”
Diante desse cenário, os haitianos teriam duas saídas, a menos provável é que os movimento sociais se mobilizem. “Isso também está comprometido: hoje, o que existe de movimentos sociais no Haiti vive de financiamento estrangeiro, por meio de ONGs corruptas.”
Enquanto milhares de haitianos arriscam a vida tentando a travessia, Seguy traça outros planos: “Minha viagem de volta para o Haiti está marcada para o dia 23 de junho. Vou ensinar sociologia na Université d’État d’Haïti, em Porto Príncipe, capital do meu país.”
Fonte: Última Segundo