Falta de investimento em revitalização do Cais do Valongo, maior porto do período escravista do Brasil, mostra a indiferença com que o país trata sua herança africana
Batizadas de Porto Maravilha, as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro expõem a indiferença com que o Brasil trata sua herança cultural africana.
Um dos pontos das obras é a escavação do Cais do Valongo. Redescoberto em 2011, o local foi ponto de chegada de mais de meio milhão de escravos africanos que conseguiram sobreviver à torturante viagem até o Brasil.
As obras de revitalização conseguiram escavar as camadas de pedras que formavam o antigo cais, que, ao longo do tempo, foi coberto por diferentes governos e acabou no meio da cidade após o aterro feito no início do século passado, pelo prefeito Pereira Passos.
Embora muitos historiadores soubessem de sua exata localização, o local permaneceu coberto até o início das obras do Porto Maravilha. Orçadas em US$ 2 bilhões, as obras encontraram em ótimo estado grande parte do pavimento do cais.
No entanto, hoje, o local ainda não recebeu a atenção merecida e sua importância para a história brasileira é informada apenas em discretas placas de sinalização. Os responsáveis pelas obras do projeto insistem que fizeram muito pela revitalização do cais, mas ativistas da cultura negra afirmam que é preciso mais para dar ao espaço sua devida relevância.
“O fato é que os locais de herança africana no Brasil são vistos como menos importantes. É uma prova muito clara do racismo no país. Não estão interessados na história dos africanos no Brasil”, disse Elisa Larkin Nascimento, coordenadora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro).
Há muito os brasileiros lutam para lidar com a herança deixada pelo período escravista. Reflexos desse passado vergonhoso persistem até os dias atuais. Um deles é o fato de negros ocuparem os postos mais baixos nas escalas econômica e social do país.
Para Washington Fajardo, chefe do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (IRPH), o país adotou a “política do esquecimento” como forma de apagar o passado. “A decisão de aterrar o local foi proposital. Acredito que foi uma estratégia para apagar a memória do período escravista”, diz Fajardo.
A arquiteta americana Sara Zewde também luta pela valorização do cais. Ativista da cultura negra, ela desenvolveu um projeto especial para o lugar, com monumentos baseados nas aglomerações circulares típicas dos escravos, como as rodas de samba e capoeira. “Não há muitas evidências físicas da escravidão ao redor do mundo”, diz Sara.
Apesar de aceito, o projeto ainda não tem data para ser iniciado. Isso porque os coordenadores das obras do Porto Maravilha afirmam que somente a escavação do cais já exigiu bastante, atrasando em seis meses a agenda do projeto.
Segundo Alberto Silva, coordenador do projeto, a prefeitura está empenhada em revitalizar o Cais do Valongo. “Até poucos anos, o cais estava enterrado. Há pouco tempo, esses locais não eram reconhecidos nem valorizados até mesmo pelos que estão se queixando agora”, disse Silva.