Historiadora americana Sheila Walker defende a ligação às origens africanas

A norte-americana e afro-descendente, Sheila Walker, historiadora e antiga gestora do Centro de Estudos Africano e Americano da Universidade do Texas, defende a permanência dos nomes de origem africana como forma de se manter viva a identidade cultural do continente na diáspora. A historiadora estima que os nomes facilitam aos estudiosos a identificação das origens dos afros descendentes nas Américas e acredita que este factor foi determinante para ajudar a preservar e identificar as origens culturais que ainda conseguem manter-se nas Américas. Em entrevista ao Jornal de Angola, Sheila Walker, que esteve no nosso país pela quarta vez, anunciou que incumbiu ao historiador Simão Souindoula a responsabilidade de fazer a recolha de ADN em várias regiões do país no âmbito do projecto de mapeamento genético da National Geographic.

Jornal de Angola – Conseguiu concretizar os objectivos que a trouxeram a Angola?

Sheila Walker – É a quarta vez que venho a Angola, mas a segunda em representação da Embaixada americana. O meu objectivo é compartilhar os resultados das minhas pesquisas e estabelecer um intercâmbio cultural com os angolanos. Acredito que este propósito foi alcançado.

JA – Quais foram os resultados mais visíveis dos contactos mantidos até agora?

SW – Primeiro, quero explicar que o meu interesse é divulgar a continuidade cultural entre África e as Américas, incluindo os Estados Unidos. O que me interessa é realmente saber a importância das fronteiras no contexto histórico e,no caso específico de Angola, da projecção da sua cultura na diáspora. Sabemos que a forma como os africanos foram transportados no processo da escravatura para outras partes do mundo nunca foi a mais digna e o interessante é os africanos e afro descendentes contribuíram para o desenvolvimento das Américas e d resto do mundo.
No caso dos EUA, há algo de maravilhoso, que ainda não é conhecido sobre Angola, o primeiro assentamento britânico naquele país, o Jamestown, no começo do século XVII. Os primeiros africanos que chegaram em 1619, que foram aproximadamente 30 negros, eram provenientes de Angola. Temos uma exposição no Museu de Jamestown, que faz um retrato daquilo que foi o comércio de escravos nos EUA, com colaboração involuntária da parte dos africanos e dos indígenas, uma colaboração tri étnica, na qual a África estava presente com Angola. A história não é muito conhecida entre os angolanos e americanos. Acho muito importante que este facto seja mais divulgado.

JA – Foi esta razão então que a fez vir em Angola?

SW – Fui a escolhida pela Embaixada Americana, talvez pelo interesse que tenho demonstrado em relação a este assunto que é o de manter viva a identidade cultural africana e torná-la mais conhecida entre os afros descendentes.

JA – E em relação as outras nações africanas que influenciaram, de alguma forma, a cultura afro-americana nos EUA?

SW – O meu interesse é um todo, é principalmente pesquisar sobre a presença da África nas Américas e na índia. Sei que existiram seis regiões africanas, duas em particular, que muito influenciaram a cultura afro descendente nos EUA, as dos Congos, onde Angola está incluída. A minha descendência é dessa região dos Congos, esta é a realidade. Encontramos o nome Angola em vários Estados dos EUA, pelo que é preciso sabermos as origens disso.

JA – Quais são os traços mais fortes da herança cultural africana nos EUA, exceptuando a música e a dança, onde são mais evidentes?

SW – Por exemplo, existe uma comida típica do estado de Louisiana, muito semelhante ao calulú, que se chama n’gombo. Outro dos aspectos foi a luta dos africanos contra opressão, em 1525. Temos várias palavras de origem bantu que sofreram transformações ao longo dos séculos. No México encontrei localidades com nomes africanos como Matamba. Mas, mesmo assim, a palavra Congo é a que mais se vê em todas as Américas, principalmente nos Estados de Geórgia, Carolina do Sul e várias Ilhas onde os afros descendentes fixaram residência e viviam isolados, pois não era permitida a mistura de raças.

JA – Pode depreender-se que esses estudos são pouco divulgados ou não são um reflexo da realidade?

SW – Não tem a ver com os estudos. Eles existem, o problema é que não estão a ser devidamente divulgados. O que precisamos, de facto, é de historiadores africanos que se desloquem aos EUA para nos ensinarem a estudar e conhecer melhor a História de África. Conheci o director do Museu da Escravatura de Angola, na sua passagem pelos EUA, onde esteve a estudar um grupo tri étnico, uma mistura de europeus, indígenas dos EUA e africanos que se chamam “Molongé”, derivado da palavra “Malongo”, que também é usada no Brasil e Cuba. A palavra designa pessoas que atravessaram o Oceano Atlântico involuntariamente no mesmo barco. No Brasil significa “irmão de infortúnio”. Estas pessoas, uma vez chegadas às Américas consideravam-se uma família. No Brasil, durante séculos, não podiam casar entre si porque tinham as mesmas origens e consideravam-se irmãs. Entre os afro-americanos e afro descendentes era muito difícil vestirem roupas de cor vermelha, considerada uma ofensa por despertar a atenção. Mas quando acompanhei uma sessão de chinguilamento, observei várias senhoras vestidas dessa cor e sei que ela na espiritualidade é usada por que tem poderes. Por isso, acredito que temos ainda comportamentos e atitudes com base nas nossas origens africanas.

JA – No estado brasileiro da Baía o estudo da História de África deve fazer parte do currículo escolar. Existem políticas semelhantes nos EUA para os afros descendentes?

SW – Sim, nos anos 60, quando conseguimos entrar para as Universidades, começamos a exigir cursos aos professores sobre o ensino da História africana. Hoje, isso é uma realidade, e como resultado, deu-se a criação de vários centros de pesquisas e de estudos nas principais universidades do país. Conseguimos criar um doutoramento sobre o Estudo da Diáspora Africana, onde já se formaram vários doutores afros descendentes em Antropologia de Estudos Africanos.

JA – Que referências tem de eventuais buscas da herança africana por norte-americanos, além do legado de Alex Halley que, através de uma pesquisa inusitada, conseguiu chegar às origens gambianas, depois de sete gerações?

SW – Conheço dois projectos: Ancestralidade Africana e Mapeamento Genográfico do programa National Geographic. Já existem afro-americanos que estão a pagar para fazer exames de ADN com o intuito de saberem as suas origens. Tenho uma colega de profissão, que dirige um Centro de Genealogia Africano-Americana, que esteve recentemente no Ghana, onde recolheu mais de 250 amostra de ADN que vão ser comparadas com os exames das pessoas interessadas em saber as suas origens.
Posso, pois, dizer que existem vários programas virados a história destes afros descendentes. Todos os anos, em Setembro, Setembro, em Washington, há um grande encontro, onde os afros deputados discutem temas relacionados África. Nas Universidades de Nova Iorque, Chicago, Filadélfia e Nova Jersey existem programas de ampliação e conhecimento da História de Arte. Como é do conhecimento público, há EUA muitas pessoas originárias da África Central. Estes centros de genealogia têm a missão de trabalhar com o programa National Geographic na recolha de vários ADN, em lugares diferentes do continente africano. Em Angola deixo a responsabilidade ao historiador Simão Souindoula. As recolhas feitas aqui vão ser encaminhada para estes centros para se saber a origem de muitos afro descendentes nas Américas.

JA – Que balanço se pode fazer da sua visita no país?

SW– O que posso dizer é que cada vez que venho a Angola, saio daqui frustrada porque nunca consigo concretizar os meus objectivos. A minha missão, esteja onde estiver, é levar bastante informação a esses centros. Estive em Benguela e o que me pediram foi que fizesse estudos sobre a província. Acredito que através dos nomes de origens e de outros aspectos pode manter-se viva a identidade cultural africana. Assim, mais facilmente os historiadores passam a ter uma ideia de onde as pessoas são provenientes. Tenho de dizer que me sinto satisfeita pelos resultados, pois tenho encontrado pessoas que me indicaram de onde vieram, origens culturais e pratos típicos. É através destas aspectos ou referências culturais que os africanos conseguiram manter-se firmes nas Américas.

JA – A sua ida várias vezes ao Brasil foi apenas em trabalho?

SW – Não só por questões profissionais, mas também pela necessidade de aprender novas culturas e aperfeiçoar o meu português. Estas foram as principais razões que me levaram a ir muitas vezes ao Brasil. No encontro que tive com a ministra angolana da Cultura, Rosa cruz e Silva, disse-lhe que a minha intenção era regressar a Angola, para conhecer melhor a cultura. Por exemplo, no Equador toca-se marimba. Temos de fazer um trabalho de divulgação e mostrar as origens destes instrumentos musicais, próprios dos africanos que foram transportados ao longo dos anos, pelo mundo fora. Mas primeiro, temos de estudar estes instrumentos a partir das origens e não nos países para onde foram levados.
Com a abertura de várias Universidade nas Américas vai ser cada vez mais importante a presença de professores africanos, não para estudarem a História de África a partir de lá, mas para darem o seu contributo na divulgação da identidade cultural africana. São apenas ideias e não projectos. Mas não deixa de ser uma possibilidade. Gostava também de poder fazer algumas conferências. Acho que uma vez que os angolanos têm a ideia da projecção de Angola nas Américas, podem passar a ter outra percepção do que representa Angola no mundo. Temos cada vez mais conhecimentos sobre processo de escravatura e colonização e, principalmente, das contribuições tecnológicas que África deu as Américas para o desenvolvimento da agricultura, minas de ouro e de ferro e na farmacopeia.

JA – Esta é também uma forma dos africanos reivindicarem o seu lugar na História do mundo com outra dignidade?

SW – África tem de criar formas de reivindicar os seus direitos por ter participado na formação das maiores nações no mundo. Os africanos têm o direito de beneficiar de tudo que os seus filhos deram ao mundo e de reclamar o seu lugar na história com outra dignidade. Aprendemos que os africanos chegaram à Europa e às Américas sem nada do ponto de vista material e mental, o que na verdade foi um absurdo. Havia recrutamento específico para os conhecimentos tecnológicos dos africanos da época.

Fonte: Jornal de Angola

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