‘Homens feministas’: Como celebrar os aliados famosos sem oprimir as mulheres?

O filme Magic Mike XXL – que estreia no Brasil no próximo dia 30 de julho – gerou dezenas de artigos e discussões online. Apesar das aparências, é realmente o “filme feminista mais chocante do verão americano”. Ele foi elogiado por desafiar o preconceito com a idade, o sexismo, a fobia de gordos e o slut-shaming, que é quando a mulher é levada a se sentir inferiorizada por causa de seu comportamento sexual não tradicional, ao mesmo tempo que (subversivamente) promovia a objetificação do corpo masculino. Até a escritora feminista Roxane Gay tuitou sobre seu amor descarado pelo filme, um selo de aprovação que levou o ator, Channing Tatum, a ser convidado a falar sobre como ele se sente em relação ao feminismo.

Por  , do Brasil Post 

Em uma entrevista em 8 de julho para o Daily Life, Tatum admitiu: “‘Feminista é uma palavra difícil de usar em certos meios. Eu adoraria dizer que sou feminista, mas eu não estudo o feminismo, então eu não posso dizer que ‘Sim, eu sou um feminista!”. Ele acrescentou: “Mas eu sou bem pró-feminismo. Eu quero falar com [Roxane Gay] sobre o Magic Mike“.

A resposta de Tatum foi elogiada e com razão – ele foi honesto sobre a sua falta de familiaridade com o feminismo, mas mostrou-se ansioso para aprender com quem é. Ele não rejeitou o feminismo, tampouco reivindicou algo sobre o qual não sabe nada. Mas a onda de excitação online que aconteceu após a sua intervenção foi impressionante – dezenas de recados parabenizando Tatum por querer ser feminista, uma manchete dizia: “O pró-feminista Channing Tatum é um ótimo cozinheiro.”
As celebridades masculinas feministas estão na moda agora.

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Com o feminismo sendo cada vez mais amplamente discutido pela maioria é emocionante e gratificante ver estrelas masculinas populares (e homens em geral) que parecem “entender” a questão. Então quando John Legend insiste que “todos os homens deveriam ser feministas” ou quando Mark Ruffalo fala sobre o direito ao aborto, é digno de notícia. No The Huffington Post nós destacamos, sem hesitar, quando homens famosos comprovam que não é necessário ser mulher para apoiar o feminismo.

Mas será que o entusiasmo coletivo com os homens “feministas” famosos é algo ruim?

Não necessariamente. Ter aliados é importante e, de uma forma ou de outra, as celebridades do sexo masculino que são aliadas ao feminismo, mesmo que tangencialmente possam servir de exemplo positivo. Estes homens, que ocupam espaços privilegiados que as ativistas feministas frequentemente não ocupam, provavelmente têm acesso a um público que não ouviria sobre feminismo se não fosse através deles. Entretanto o perigo está sempre na possibilidade de que as vozes dos aliados privilegiados apaguem as vozes das oprimidas.

Em um ensaio para a Salon, Andi Zeisler, co-fundador do BitchMedia, pediu o fim da “bajulação” às celebridades masculinas feministas, argumentando que “ao celebrar discursos [feitos por celebridades do sexo masculino] que, na maioria dos casos, são simplesmente de senso comum, a mídia está materializando também a crença de que uma ideia só se torna legítima quando ela é repetida por um homem”.

Observemos Tom Hardy, por exemplo. Ele é complexo, intensamente talentoso – e considerado por muitos como um cara incrível. Ele vem sendo elogiado por ter uma longa “história feminista” que consiste principalmente de entrevistas nas quais ele disse coisas do tipo “escrever para as mulheres e fazer filmes para as mulheres pode ser muito melhor”. Embora as visões de Hardy sobre gênero e Hollywood são muitas vezes revigorantes, elas certamente não são nada inovadoras – atrizes como Cate Blanchett, Rose McGowan e Zoe Saldana têm falado muito mais sobre as desigualdades na indústria.

Então, como separar as excelentes opiniões sem enfatizar em demasia a sua importância no geral?

Afinal, assim como Tom Hardy, muitos atores que já foram celebrados por serem feministas nunca realmente disseram explicitamente que eles são feministas. Mas para as estrelas do sexo feminino que afirmam com orgulho o rótulo, há elogios, mas é muitas vezes acompanhado por uma intensa análise.

NEW YORK, NY - APRIL 24: Honoree Lena Dunham speaks onstage at Variety's Power of Women New York presented by Lifetime at Cipriani 42nd Street on April 24, 2015 in New York City. (Photo by Brian Ach/Getty Images for Variety)

Eva Wiseman, do The Guardian, afirmou que a reação contra as estrelas feministascomo Amy Schumer e Lena Dunham parece um pouco desproporcional. “Quanto mais alto nós as elevamos”, escreveu ela em 5 de julho, “maior será o tombo. Em nossa cultura, quando encontramos uma estrela [mulher] feminista que amamos, nós a promovemos de todas as maneiras até uma inevitável reação negativa“.

Embora eu tenha dúvidas sobre como as críticas que cercam Schumer sobre a forma como ela lida com as interseções de raça e gênero na sua comédia, são meramente uma “reação negativa”, podemos ser justos ao dizer que os mesmos padrões e exigências não são usados com os homens.

Emma Watson ficou de pé na ONU para fazer um discurso sobre a importância de aliados do sexo masculino e tanto a sua mensagem como o conhecimento dela sobre o feminismo foi questionado. Beyonce se diz uma feminista e é acusada de ser sexual demais e de não ser autêntica. Poucas celebridades do sexo masculino, com exceção de alguém como Joss Whedon (escritor/diretor, não o ator), são considerados sempre “maus feministas” – não importa o que digam ou façam.

“Este não é um problema dos homens. É um problema da mídia”, escreveu Zeisler mais tarde em seu ensaio. Mas é também um problema que vemos com as celebridades. Como as questões de raça e gênero têm se tornado mais relevantes nos discursos da cultura pop, estamos em uma era onde nós pensamos nos méritos dos meios de comunicação que consumimos não só com base na qualidade artística, mas como feministas ou contra o feminismo.

É um sistema qualitativo curioso que se ativa dependendo de como pensamos sobre nossas celebridades – “o pró-feminista Channing Tatum” torna-se apenas mais uma parte da persona do ator que é um “bom moço”, mais um motivo para gostarmos dele, mas o que isso realmente significa? Por que continuamos perguntando aos atores e celebridades masculinas se eles são feministas, pra início de conversa?

No ano passado, o ator Matt McGorry de Orange is the New Black tornou-se o rosto dos aliados feministas homens e ele falou bastante sobre a igualdade de gênero. Ele não é perfeito, mas um bom exemplo de celebridade do sexo masculino aliado que é franco sobre seu feminismo e ao mesmo tempo está disposto a dar um passo atrás a fim de permitir que as vozes das mulheres realmente sejam ouvidas. Esta é a chave.

NEW YORK, NY - APRIL 20: (EDITORS NOTE: This image was processed using digital filters) Emma Watson attends the 'Boulevard' Premiere during the 2014 Tribeca Film Festival on April 20, 2014 in New York City. (Photo by Andrew H. Walker/Getty Images for the 2014 Tribeca Film Festival)

Embora comemorarmos estrelas do sexo masculino, que falam sobre as mulheres de forma honesta ou que declarem expressamente que são feministas, seja bom, é importante que o nosso entusiasmo não apague as pensadoras feministas e não apague as complexidades do feminismo. É algo em que pensamos ativamente noHuffPost e sabemos que outras redações estão abraçando essa causa como um ato de equilíbrio similar.

Enquanto ter aliados homens é uma coisa maravilhosa, cooptar o movimento feminista e não fazer nada para empurrar o movimento para a frente, além de dizer uma ou duas coisas agradáveis sobre mulheres, não é. Devemos ser mais exigentes com as vozes que escolhemos para promover e a forma que escolhemos para essa promoção. Não se trata de fazer barulho com a palavra “feminismo”, mas sim de apoiar as ideias por trás disso.

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