Identidade e Representação Visual da Mulher Negra Brasileira em Cândido Portinari: O Corpo Sensual em Revista

Jefferson Gustavo dos Santos Campos 1

Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso 2

1. Departamento de Letras, CCH – Universidade Estadual de Maringá (UEM)

2. Profa. Dra./Orientadora – Depto. de Letras, Pós-Grad. em Letras, CCH/UEM

INTRODUÇÃO:

A iconografia portinariana revela uma expressão nacional inquietante ao trazer à visibilidade uma face do país velada pelos “mitos” da unidade linguística e étnica. Nesse arquivo cultural, toma-se a representação visual da mulher negra brasileira como uma das práticas sóciodiscursivas pelas quais são flagrados, no percurso de sua constituição, os corpos excluídos, as identidades marginais, os sujeitos da diferença.

Neste trabalho, por meio de um gesto de leitura sobre Três figuras, tela de Portinari que compõe o corpus da pesquisa, buscou-se identificar as condições de existência dos discursos sobre a mulher negra brasileira na iconografia portinariana e explicitar como o corpo representado assume status de materialidade significante nos discursos acerca dessa mulher.

Justifica-se o desenvolvimento da pesquisa por se coadunar aos trabalhos que têm se dedicado ao tratamento da materialidade imagética em sua dimensão discursiva, contribuindo com o aprimoramento da produção científica nos estudos em Análise de Discurso. Também por propor uma arquitetura teórico-metodológica que pode subsidiar a prática pedagógica com essa modalidade textual, sobretudo no percurso temático de compreensão da constituição identitária e da representação do sujeito brasileiro marginalizado.

METODOLOGIA:

Eleger e determinar quais princípios e procedimentos consolidam uma análise discursiva de diferentes materialidades significantes têm sido alguns dos esforços envidados pelo Grupo de Estudos em Análise do Discurso da UEM (GEDUEM/CNPq). Sobretudo pela agenda teórica adotada nesta investigação, a contribuição desse grupo é demarcada pela operacionalização dos conceitos da Análise de Discurso por meio da proposta teórico-metodológica denominada por Tasso (2010) como “Movimento descritivo-interpretativo arqueogenealógico”. Ao compor esse modo de olhar o funcionamento da materialidade significante, procurou-se descrever e interpretar a tela Três figuras, de Portinari, em suas dimensões: estética – considerando regularidades estabelecidas na combinação de linha, forma, direção, cor, matiz, dimensão e movimento – que está no plano da visibilidade da materialidade significante a que se pode empreender uma descrição tangível e; discursiva, na qual se (re)estabelecem as condições de possibilidade da interpretação do que se encontra alocado e circunscrito ao plano da invisibilidade, na opacidade do texto.

RESULTADOS:

Em Três figuras, são apresentas três mulheres negras cuja visão da face é negada ao espectador. Suas silhuetas volumosas são cobertas por uma vestimenta que deixa ver partes dos corpos tornados sensuais pelos contornos demarcados, pelos fartos seios e nádegas em evidência. De cócoras, deitada e sentada, essas mulheres encontram-se em um não-lugar cuja matização as aprisiona em uma cena delimitada por uma corda.

O título da tela quantifica, não nomeia e (des)qualifica o sujeito representado. Trata-se de um apagamento identitário em cujo movimento é instaurado o equívoco. Os rostos, sequencialmente coberto, ilegível e oculto, dão visibilidade à mulher desconhecida, cuja identidade é interditada, negada, restringida. Os vestidos puídos e a corda que emoldura a cena trabalham a memória da escravidão. O corpo exposto é marcado pelo erótico, visto como exótico e tratado como profano.

A mulher negra representada foge à conduta estabelecida como “normal”. A sensualidade, na constituição identitária e na representação da mulher negra, é marca que articula discursos de exclusão ao estabelecer a oposição entre o sagrado e o profano, condição para que, na opacidade do texto imagético, instaure-se o mascaramento do corpo negro sensual significado na e pela história.

CONCLUSÃO:

Colocado em revista, o corpo, dada a sua constituição físico-biológica e discursiva, é materialidade significante. A condição de existência enunciativa baliza os discursos sobre a mulher negra brasileira na iconografia portinariana. Pela relação que mantém com a história, o corpo negro tornado erótico, exótico e profano produz e ilustra os sentidos do social por meio dos quais o discurso é constituído. O exótico difere do natural, mas não o nega, engendra-o por meio do equívoco porque só é apreendido quando posto em relação a ele. Razão de a sensualidade criar um regime de verdade que inscreve a identidade dessa mulher em um campo de exclusão.

A sensualidade (se)significa pela diferença, pois opera com a memória discursiva de que o erótico – discursividade que irrompe como acontecimento em um dado momento da história, tornando-se matriz dos saberes sobre o negro brasileiro – constitui uma ordem contrária de existência, condição para que sejam apreendidas a identidade e a representação visual da mulher negra brasileira no gesto de leitura empreendido.

Fonte: SBPC

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