Infância e velhice descuidadas atestam descaso e crueldade

“Um pacto civilizatório para os cuidados na infância e na velhice” recebeu muitos aportes de pessoas que “se viram” para dar um mínimo de dignidade à velhice de familiares. Sou grata aos instigantes e enriquecedores contatos.

Por: Fátima Oliveira

A educação infantil – creches (0 a 3 anos) e pré-escola (4 a 5 anos e 11 meses) -, direito da criança e dever do Estado, é de responsabilidade dos municípios. Destaco que “a família não é obrigada a matricular a criança de até 6 anos em instituição de educação infantil, mas, sempre que desejar ou necessitar, precisa ser atendida pelo poder público”.

Conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), “dos 20 milhões de brasileirinhos de até 6 anos, 11 milhões têm entre 0 e 3 anos; 17% das crianças de até 3 anos e 77% das entre 4 e 6 anos estão matriculadas na educação infantil”, em instituições públicas e privadas.

Eis a situação a enfrentar segundo a demanda. Nem mais, nem menos. O MEC, no novo Plano Nacional de Educação (PNE), prevê ampliar em 50% o atendimento em creche até 2020. Pouco, não?

Maíra Kubík Mano, em “Creches e pré-escolas ainda são precárias – Um raio X da educação infantil”, revela que nossas creches e pré-escolas deixam muito a desejar. “Estudos do Ipea, do Banco Mundial e da Unesco mostram que quem frequenta a educação infantil dos 0 aos 3 anos tende a estudar por mais tempo ao longo da vida, ter menor índice de reprovação e deter uma renda maior quando adulto, além de menor propensão ao crime”. Precisa dizer mais?

Sobre a velhice, cito Simone de Beauvoir (1908-1986), escritora e feminista francesa: “…não sabemos quem somos se ignorarmos quem seremos; aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles. Isso é necessário se quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana”. Ela é autora, dentre outros, de dois livros que tenho como essenciais: “O

Segundo Sexo” (1949), estudo analítico soberbamente real do papel das mulheres na sociedade, e “A Velhice” (1970), no qual discorre sobre a postura de descaso da sociedade e dos governos frente às pessoas velhas.

Idosa é a pessoa a partir de 60 anos, independentemente de condições físicas e mentais. Em 2025, haverá, no Brasil, 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Hoje, em nosso país, a proteção social (benefícios da Previdência Social) chega a 17,2 milhões dos 20,6 milhões com mais de 60 anos (83,6% dos idosos). A cobertura na faixa acima de 65 anos atinge 94,8% de um contingente de 14,1 milhões de pessoas.

Ter um dinheirinho teoricamente todo seu é essencial para sobreviver na velhice, porém, a cobertura previdenciária é insuficiente para prover cuidados. A advogada Sylvia Romano escreveu, recentemente, um artigo brilhante, “Pobres velhos, coitados dos seus familiares”, e diz que “este título bem que poderia ser ao contrário: coitados dos velhos, pobres familiares. A ordem do adjetivo não importa, pois a problemática é a mesma”.

E encerra dizendo “já não sei mais o que me comove: se é a situação dos nossos idosos, ou de seus familiares, que não têm recursos financeiros nem tempo (em alguns casos, nem mesmo paciência) para suprir as necessidades dessa população, que, cada vez mais, cresce em números e aumenta suas demandas de atenção e cuidados, exigindo dos seus familiares maior dedicação, sem se importar se seus descendentes têm ou não condições de atendê-los. Pobres velhos, coitados dos seus descendentes, e dos futuros idosos também!”.

 

Fonte: O Tempo

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