Inspiradas em Lupita, jovens negras falam de preconceito e da valorização da própria beleza

Da esquerda para a direita: a atriz Erika Januza, a psicóloga Vanessa Andrade, a estudante de Artes Fernanda Ribeiro e a consultora e escritora Nina Silva - Guito Moreto / Agência O Globo

Mulheres negras abandonaram os produtos químicos para os fios e assumem seus traços

Da esquerda para a direita: a atriz Erika Januza, a psicóloga Vanessa Andrade, a estudante de Artes Fernanda Ribeiro e a consultora e escritora Nina Silva – Guito Moreto / Agência O Globo

RIO – A eleição da atriz negra Lupita Nyong’o, 31 anos, como a mulher mais bonita do mundo pela revista “People”, no fim do mês passado, não tem o poder de acabar com o preconceito nem em Hollywood nem no resto do mundo. Não muda o fato de que, no Brasil, há o dobro de negras e pardas no serviço doméstico em comparação às mulheres brancas, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE de 2013. Tampouco transforma a diferença no rendimento mensal das mulheres negras — que corresponde a 56% da renda das brancas, e não chega à metade daquela dos homens brancos, segundo o “Dossiê mulheres negras”, elaborado no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Mas a escolha de Lupita, vencedora do Oscar 2014 de atriz coadjuvante pelo filme “12 anos de escravidão”, de Steve McQueen, causou, em mulheres do mundo todo, orgulho de ver no pódio da beleza uma negra de cabelo natural, pele reluzente, boca e nariz grossos. Também em brasileiras como Nina Silva, Vanessa Andrade, Fernanda Ribeiro e Erika Januza, reunidas pela Revista O GLOBO na Casa Soul, em Santa Teresa.

Negras, jovens e bonitas, elas conhecem o preconceito, mas abandonaram os produtos químicos para os fios e assumiram seus traços — como a própria atriz de origem queniana, que disse estar feliz porque outras meninas como ela se sentiriam “mais vistas”. Em discurso no prêmio Mulheres Negras em Hollywood, em fevereiro deste ano, Lupita contou como foi importante se espelhar em outras mulheres para se sentir bonita, como a modelo anglo-sudanesa Alek Wek.

— É muito bom ver na capa uma mulher negra altamente pigmentada e fora do padrão de boca fina e cabelo na cintura. Ela tem o fenótipo de uma certa região da África que nunca foi valorizado como bonito — diz Nina Silva, consultora de tecnologia da informação, escritora e produtora, 31 anos e pele tão negra como a da atriz.

Vanessa Andrade concorda. Aos 28 anos, cabelo “quanto mais alto melhor”, a psicóloga que cresceu no Morro do Cantagalo diz que “demorou para entender que o preconceito que sentia era racismo’’ — já que sua pele não é tão escura.

— Sou negra, mas minha estética ainda é aceita. Eu abomino este termo, mas no Brasil estou mais próxima ao que se chama de mulata. Por isso a Lupita é importante. Mas, para além dela, quero que as crianças cresçam com algo tangível, que elas possam admirar alguém no próprio meio — afirma Vanessa, que é mestre em Psicologia e trabalha em projetos sociais no Cantagalo e em Vigário Geral.

Mesmo com a pele mais escura, a estudante de Artes Visuais da Uerj Fernanda Ribeiro, de 26 anos, também demorou a se dar conta do preconceito, e só passou a refletir sobre o tema ao entrar num curso pré-vestibular na Mangueira.

— Comecei a perceber que não era coincidência o que eu passava ainda pequena, quando era chamada de negra do cabelo duro — conta ela, que cortou os fios longos e alisados numa performance no ano passado.

No ar na novela “Em família”, na TV Globo, Erika Januza também só assumiu os cabelos naturais há menos de dois anos. A atriz diz que se sentiu representada por Lupita.

— Isso deveria ser normal, porque ela é bonita independentemente da cor. Mas, como não é normal, fiquei superfeliz — diz a atriz, a única das quatro a apoiar a campanha #somostodosmacacos. — O que aconteceu com o Daniel Alves (jogador de futebol que comeu uma banana arremessada contra ele em campo, em resposta irônica ao ato praticado por um torcedor espanhol) foi absurdo, e esse movimento chama a atenção de que somos todos iguais.

Vanessa se opõe:

— Vejo todos os dias crianças sofrendo por serem chamadas de macaco. É uma violência simbólica muito grande. É muito fácil capitalizar o sofrimento do povo negro. Tenho amigos que acreditam que esse é um movimento estratégico, mas eu acho ingenuidade. Vivemos uma condição de profundo racismo, não podemos perder o foco.

Fonte: Ela

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