Integrantes do grupo ‘Intelectualidade afro-brasileira’ lotam sessão de ‘Pantera Negra’

Homens, mulheres e crianças negras se reuniram para assistir ao filme em SP

por Nina Finco no O Globo

Foto: Edilson Dantas

“Como na tradição africana, simbolicamente, estamos reservando dois assentos nesta sala de cinema: um para Zumbi e outro para Dandara. Wakanda somos todos nós.” Assim o professor de inglês Durval Arantes abriu na noite de sábado uma sessão especial do filme “Pantera Negra” num shopping na Zona Oeste de São Paulo. Ele e a mulher, a estudante de Direito Ana Paula Evangelista, são criadores de um grupo de discussão no Facebook chamado Intelectualidade Afro-Brasileira, com mais de 21 mil integrantes, e organizaram a exibição fechada para quem se inscreveu pela rede social. A ideia era oferecer uma experiência coletiva para homens e mulheres negros. E foi assim que 275 pessoas atenderam à convocação e assistiram juntas a uma superprodução da Marvel que levanta temas como racismo e feminismo, e na qual boa parte dos personagens, a começar pelos heróis, é negra.

Não foi a primeira experiência do tipo capitaneada pelo casal. Antes, já tinham incentivado a exibição fechada somente para mulheres de outro filme. Na sessão de sábado, o público era heterogêneo, misturando homens, mulheres e crianças, a maioria negra. E não poupou palmas, gritos de aprovação e gargalhadas sempre que uma referência da cultura negra e uma pilhéria pontual contra o racismo surgiam na tela. Para Ana Paula, de 38 anos, é um questão de lugar de fala:

— Fomos calados durante séculos. É o nosso momento. E este é só o início.

O som de palmas superava o volume dos alto-falantes quando as personagens femininas de “Pantera Negra” tomavam a tela. Chadwick Boseman, que interpreta o protagonista, vive rodeado de guerreiras poderosas, lideradas pela general Okoye (Danai Gurira). Também são essenciais para as batalhas sua irmã e expert em tecnologia Shuri (Letitia Wright) e a espiã e agente social Nakia (Lupita Nyong’o). Além da mensagem de empoderamento negro, há também uma boa dose de feminismo no filme dirigido por Ryan Coogler, que se passa em Wakanda, país fictício que foi capaz de evitar o colonialismo europeu e se tornou um dos desenvolvidos do planeta.

Mulheres se cumprimentam: representatividade nas heroínas do cinema – Edilson Dantas

Discriminação em pauta

A cientista social e ativista do movimento negro Luanda Nascimento, de 34 anos, saiu do Rio para participar do evento com a mãe, Irema, de 73, e Taj Alexander, de 28, um amigo nova-iorquino em passagem pelo país. Para ela, esta adaptação de um super-herói dos quadrinhos tem papel fundamental.

— Na África, historicamente, as mulheres tinham papel de extrema liderança dentro das suas comunidades. Isso mudou com os atravessamentos coloniais — afirmou. — Temos vários registros de exércitos de mulheres, matriarcados reinantes, papeis de extrema relevância. Ver que isso está representado no universo do “Pantera Negra” é formidável. Brigamos para colocar isso no debate acadêmico, e agora podemos ver um filme de massa fazendo isso de forma direta.

A fotógrafa Lena Silva, de 30 anos, e o o marido, o americano Jordan Fields, moradores do Capão Redondo, na Zona Sul da cidade, também fizeram questão de estar na plateia. Para ela, é importante discutir a discriminação.

— É uma forma de revolucionar. Estamos ocupando um espaço em que sempre somos discriminados — lembra. — Os rolezinhos, por exemplo, deram muito o que falar, quando grupos de jovens negros da periferia se reuniam nos shoppings. Hoje, ver o nosso povo se apropriar de espaços públicos e centrais como este é um avanço.

Morando no Brasil há pouco mais de um ano, Jordan dá aula de inglês para crianças carentes do Jardim Ângela, numa escola chamada Inglês Na Quebrada. E não deixou de traçar um paralelo entre a situação brasileira e a de outros.

— O que mais me emociona é que estou vivendo isso fora dos Estados Unidos — conta. — Lá, isso é normal. Nós nos unimos como um grupo. Mas ver os negros do Brasil fazerem o mesmo é um marco. Eu já vivi no Panamá, na Costa Rica, na Colômbia. Estamos vendo que os negros de todo o mundo estão começando a reconhecer que são negros.

Nos EUA, onde foi marcante a atuação do Partido dos Panteras Negras, criado nos anos 1960, celebridades pagaram do próprio bolso para que comunidades de baixa renda pudessem ver o filme. A atriz Octavia Spencer fechou uma sala de cinema em Pearl, no Mississippi. O rapper T.I. levou crianças de Atlanta, na Geórgia, para uma pré-estreia.

No Brasil, iniciativas semelhantes foram registradas na última semana. Em Cuiabá, um coletivo negro da Universidade Federal do Mato Grosso também criou um evento no Facebook para reunir a comunidade negra para uma sessão na sexta-feira à noite. Em Porto Alegre, cerca de 185 negros assistiram à estreia juntos em uma sala de cinema local, na quinta-feira. O evento foi organizado pelas amigas Luciana Dornelles, Kenia Aquino e Flavia Lemos.

— O filme é repleto de representatividade, algo que nunca vi no cinema nos meus 32 anos de vida — diz Luciana. — Nos vermos nesses espaços, sem sermos retratados como escravizados, empregados ou ladrões, nos faz acreditar que podemos ocupá-los. Podemos ser reis e rainhas.

No próximo dia 20, mais uma vez uma sala do Shopping Eldorado terá sessão especial. A advogada Mayara Souza, de 25 anos, ajudou a organizar um evento com 194 participantes:

— No Brasil, são 220 milhões de pretos. Nossas iniciativas ainda são poucas e pontuais. Quanto mais grupos se articularem, melhor para todos.

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