Intérprete da Mocidade Ronny Caetano registra boletim de ocorrência contra ataques racistas: ‘Precisamos dar um basta’

Pai de um jovem de 20 anos e uma menina de 7 anos, o cantor disse que não deseja que seus filhos ou qualquer outra pessoa passe pela mesma coisa. Perfis são identificados

O intérprete da Mocidade Independente de Padre Miguel Ronny Caetano compareceu à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no Centro, na manhã desta terça-feira, em companhia do advogado da escola Felipe Millan. Os dois foram oficializar o registro de ocorrência contra os ataques racistas sofridos pelo cantor na noite de domingo durante a escolha do samba-enredo que a agremiação vai levar para a Sapucaí no desfile de 2023. Durante a transmissão ao vivo do evento pelo Youtube, pelo menos três internautas entraram no chat da transmissão, com pedidos para tirar “esse neguinho daí” e sugerindo que ele deveria cantar o “samba do cacho de banana”, numa referência a um antigo enredo da escola, de 1964.

— É importante denunciar porque se não tomarmos essa decisão esse tipo de coisa nunca vai acabar. Não pode ficar impune. Precisamos dar um basta — disse o intérprete.

Pai de um jovem de 20 anos e uma menina de 7 anos, o intérprete disse que não deseja que seus filhos ou qualquer outra pessoa passem pela mesma coisa. Ele fez questão de registrar o boletim de ocorrência para que os responsáveis sejam punidos.

— Por mim, ninguém passaria por isso. É inadmissível que isso ocorra em pleno século XXI.

Segundo o advogado Felipe Millan, dois perfis foram identificados como os responsáveis pelos ataques. Um terceiro não conseguiu ser identificado porque ainda durante as transmissão foi bloqueado pelos administradores do canal.

— Não dá para afirmar com certeza se os nomes usados nesses perfis são reais. A gente acredita que sim, porque são bem comuns. Mas, independentemente de qualquer coisa, esse deve ser o ponto de partida da investigação para chegar aos responsáveis — acredita o advogado.

Ronny contou que o apoio que vem recebendo, dentro e fora do mundo do samba, tem sido muito importante para superar esse momento. Ele contou que só tomou conhecimento dos ataques depois que o evento tinha encerrado e foi avisado por um amigo.

— Está todo mundo me abraçando e isso é bem legal. Você vê que não está sozinho. Tenho recebido apoio de gente de dentro e de fora do mundo do samba. Se toda vez que isso acontecer a alguém todo mundo abraçar essa pessoa, ela vai se tornar mais forte e vamos dar um grande passo (contra o preconceito). Não vamos nos calar — disse.

A transmissão estava sendo realizada pela Rádio Arquibancada, após os comentários racistas, o apresentador da live se pronunciou e afirmou “não tolerar racistas”. “Não gostei do comentário racista que foi postado, e essa pessoa está banida do canal. Uma pessoa que entra em uma live de escola de samba e faz comentário racista não era nem para estar aqui. A rede social transformou o relacionamento humano em algo impossível, as pessoas acham que têm o direito de falar o que quiserem. Eu não tolero racista, racista aqui não”, criticou o apresentador.

Ronny ao microfone, durante a apresentação dos sambas — Foto: Divulgação Liesa/ Henrique Mattos

O cantor de 46 anos está na escola desde 2016. Ele fazia parte da equipe de Wander Pires, que foi para a Paraíso do Tuiuti. Ele agora integra o carro de som da Verde e Branca da Zona Oeste ao lado do intérprete oficial Nino do Milênio.

Em nota, a direção se solidarizou com o cantor e informou que tomará as providências legais para punir os criminosos. “Era para eu acordar só falando da minha linda final de ontem. Mas, infelizmente, vivemos em um país onde o racismo está em todos os locais ao nosso redor. Venho em nome de toda diretoria, segmentos e torcedores, me solidarizar e dar forças ao meu cantor Ronny Caetano pelos ataques racistas recebidos ontem em comentários feitos no chat do YouTube durante a live da Rádio Arquibancada”, escreveu a direção na segunda-feira.

Ronny é também intérprete oficial da Acadêmicos da Santa Cruz, há 4 anos. A diretoria da Torcida Organizada Apaixonados Pela Santa Cruz também repudiou o episódio de racismo.

“(…) Que juntos possamos lutar sempre, sermos resistência. Pois cidadãos como este não podem passar despercebidos. Devem ser denunciados e investigados. Assim finalizamos informando que vamos procurar as autoridades competentes para a investigação e conclusão do caso”, afirmaram os dirigentes da torcida.

+ sobre o tema

Polícia que mata muito demonstra incompetência de governos de SP, RJ e BA

Ninguém em sã consciência espera que um policial lance...

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Eu, mulher negra…

EU, MULHER NEGRA…Eu, mulher negra…Tenho orgulho de quem sou...

para lembrar

spot_imgspot_img

James Cone, teologia negra da libertação e luta antirracista

No dia 28 de abril de 2024, completa-se 6 anos da morte do pastor e teólogo James Cone, o sistematizador da teologia negra. Esta...

Com a mão erguida e o punho cerrado eu grito: fogo nos eurocêntricos cientistas-cientificistas

A verdade é que esse mundo é uma Ameaça. Uma Ameaça a certas gentes. Uma Ameaça a certas não-gentes. Uma Ameaça a redes, a...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=