Intolerância Religiosa e Racismo

Nos últimos dias (07 e 10 de outubro) tem circulado material anônimo (impresso, e-mails e vídeos na internet) desqualificando e desrespeitando as religiões de matriz africana com a  divulgação de imagens associando-as ao culto de “entidades demoníacas”. Acrescenta-se o fato de que estas mensagens associam pessoas negras como praticantes do “satanismo”.

Essa manifestação (covarde, discriminatória, racista e intolerante) tem explícito intuito eleitoreiro, uma vez que vincula-se um dos candidatos ao cargo de governador da Paraíba como adepto das práticas “satânicas” afirmando que o mesmo estabeleceu um acordo com o sobrenatural para garantir sua vitória eleitoral. Esse tipo de atitude apenas serve para desvirtuar as questões importantes de uma campanha eleitoral, que deve se pautar por um debate de propostas para a sociedade e não lançar mão de práticas discriminatórias e intolerantes, que distorcem imagens, reforçam/reproduzem preconceitos e constroem discursos injuriosos. 

As imagens utilizadas são de uma sacerdotisa/Ialorixá, de alguns representantes do movimento social negro paraibano e de gestores/as públicos. Todas as pessoas que aparecem nos materiais divulgados estavam numa escola pública de João Pessoa, realizando a abertura de evento público, no qual se discutia a Intolerância Religiosa na Paraíba. Nesse evento  a participação do poder público, com a presença do então prefeito de João Pessoa Ricardo Coutinho e da Secretária de Educação, Ariane Sá, que exerciam o dever como administradores públicos,  buscando “incentivar o diálogo entre movimentos religiosos sob o prisma da construção de uma sociedade pluralista, com base no reconhecimento e no respeito às diferenças de crença e culto”, conforme orienta  o Plano Nacional dos Direitos Humanos III.

 

Não querendo adentrar as questões políticas eleitorais, manifestamos nosso REPÚDIO aos que não respeitam a diversidade religiosa e aos que querem restringir o direito de se vivenciar as religiosidades afrobrasileiras. Primeiro endemonizando racialmente seus praticantes, ao criar uma associação intrínseca entre negritude e satanismo. Segundo, colocando um vídeo que permaneceu na internet por algumas horas. Terceiro, produzindo panfletos que foram entregues aos moradores de alguns bairros de João Pessoa. Quarto, enviando e-mails com conteúdos difamatórios e discriminatórios.

 

A divulgação desse tipo de informação distorce a importância histórica e cultural das religiosidades negras, das sacerdotisas/ialorixás que são guardiãs da memória de povos arrancados do continente africano e foram escravizados no Brasil, e tenta impor uma visão  de que a religião dos orixás é falsa, satânica e com prática restrita a população negra. Difundindo, portanto, uma postura intolerante, discriminatória e racista.

 

Além da forma preconceituosa, discriminatória e intolerante pelo qual se referiam as religiões afrobrasileiras, destacaram vários monumentos artísticos, ditos como “estátuas”, e como materialização da “consagração de nossa capital paraibana ao satanás”. O autor (ou autora) desse material discriminatório, mais uma vez, mostra-se sem condições de cumprir as regras de convivência respeitosa e descumpre vários marcos legais que regulam a vida em sociedade, de maneira, que cabe a nós, grupos, núcleos, articulações e organizações negras na Paraíba destacar alguns dos muitos preceitos legais que foram desrespeitados e exigir a punição legal dos responsáveis pela elaboração e distribuição do material que discrimina as religiões de matriz africana:

·         “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e dereligião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos, conforme consta no Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);

 

·         “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Inciso VI – é inviolável a liberdade de consciência e decrençasendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, asseverado no Artigo 5º da Constituição (Cidadã) de 1988;

 

·         “Serão punidos, na forma desta Lei os crimes resultantes de discriminaçãoou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, determinações do Art. 20 dLei nº 9.459, de 13 de maio de 1997.

 

·         Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa, conforme determinações do Art. 20 da Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997.

 

Sem dúvida, vivemos num sistema democrático dotado de mecanismos para combater práticas intolerantes e racistas, como a mencionada no material divulgado na Paraíba que demoniza as manifestações religiosas de matriz africana, e não podemos assistir este tipo de ataque. Os/as responsáveis por semelhantes atos de preconceito, discriminação racial, intolerância devem ser submetidos/as ao rigor  da lei para serem julgados/as. Assim se fortalece a prática republicana e democrática brasileira, afinal, todos, inclusive a população negra, tem direito de ter direitos.

 

Por tudo isso, nós, ativistas na luta antirracista e, que compomos grupos, núcleos, articulações e organizações negras na Paraíba dizemos não à INTOLERÂNCIA RELIGIOSA e ao RACISMO, bem como exigimos respeito a nossa história, nossa cultura e as nossas expressões religiosas.

 

Assinam:

Articulação da Juventude Negra – Paraíba

BAMIDELÊ – Organização de Mulheres Negras na Paraíba

FICAB – Federação Independente de Cultos Afrobrasileiros do Estado da Paraíba

Instituto de Referência Étnica-IRE

Movimento Negro Organizado da Paraíba/MNO-PB

Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UFPB/NENN

Rede de Mulheres de Terreiros

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