Isabél Zuaa. “Ser mulher, ser preta e ser artista é como se estivesse no final da cadeia alimentar”

A atriz portuguesa tem feito grande parte da carreira no Brasil e sonha em criar uma casa da cultura na periferia de Lisboa

Por António Rodrigues, do Sol

Foto: Mafalda Gomes

Acabou de receber um prémio de atriz revelação no Brasil por causa do seu papel em “Joaquim”, de Marcelo Gomes, filme que passou pelo Festival de Berlim do ano passado, mas ainda não se estreou em Portugal. O que se estreou foi “As Boas Maneiras”, de Marco Dutra e Juliana Rojas – passou no IndieLisboa deste ano, teve estreia comercial fugaz e, entretanto, já se pode ver em DVD e nas plataformas de VOD. Pretexto para esta conversa com Isabél Zuaa ou, simplesmente, Isabel Martins.

Numa entrevista ao “Estado de São Paulo”, aparece a dizer que para o filme “Joaquim” precisavam de alguém que falasse alguma língua africana e que… 

Ele não anotou nem gravou a entrevista e trocou algumas coisas. Misturou as perguntas que fez com as respostas que dei. Em todas, não há uma única que seja, na prática, coerente. É imaginação. Nenhuma das respostas tinha a ver com aquilo que eu disse. Eu fui encontrada por um filme que fiz em Portugal, uma curta-metragem do Pedro Peralta, e outro trabalho cinematográfico que fiz com amigos. Queriam uma atriz portuguesa com ascendência africana e que falasse uma língua nativa africana e o português de Portugal, e no filme falo crioulo da Guiné-Bissau, que é a língua do meu pai.

Falar crioulo guineense é habitual?

É. Quando cheguei ao Brasil em 2010, no intercâmbio do Conservatório com a Unirio [Universidade Federal do Rio de Janeiro] em Artes Cénicas, comecei a desenvolver um trabalho sobre identidade, essa coisa do não-lugar. Ser filha de uma angolana e de um guineense, primeira geração em Portugal. Conviver com vários cabo-verdianos e, daí, também saber o crioulo de Cabo Verde. Ir para uma escola de teatro, depois ir estudar para o Brasil. Entendi que era um não-lugar, não era o biótipo da portuguesa que muita gente esperava. Quando dizia que era portuguesa, ficavam admirados – no imaginário das pessoas, não havia portugueses negros. Consegui fazer um trabalho sobre a identidade, que apresentei em vários lugares do Brasil, onde falava crioulo da Guiné, português de Portugal, português do Brasil; era um solo, um trabalho musical, dançante, cantante.

Esse não-lugar é uma identidade. Há uma identidade africana de Lisboa?

Isso sempre foi uma questão para mim, tentar entender quem realmente era. Muitas vezes me perguntavam de onde era e eu dizia “nasci em Portugal”. Parecia que havia um constrangimento da minha parte em dizer “sou portuguesa”. Os de Angola dizem que sou totalmente guineense, dentro da família guineense dizem que sou totalmente angolana, dentro das instituições dizem que sou africana, dentro de casa dizem que sou portuguesa. Sempre vivi nesse não-lugar.

Hoje já está mais confortável com a sua identidade? Já descobriu quem é?

É uma jornada. Também tem a ver com a mudança de idade: eu vim para o Brasil com 22 anos e hoje tenho 31. O Brasil também vive uma questão de identidade muito grande e eu identifiquei-me com essa busca da ancestralidade e da sua valorização, sem nenhum constrangimento. Vou sabendo pouco a pouco. Quero mergulhar ainda mais nessa minha identidade, sinto-me muito feliz, privilegiada por ter acesso a outras culturas. É uma mais-valia para mim, dá-me potência, dá-me força. Tenho um grande fascínio, uma grande admiração pela minha história, a história dos meus pais, do trajeto deles – sinto-me privilegiada.

Nasceu na Maternidade Alfredo da Costa?

Na Estefânia.

E cresceu no Zambujal?

Sim, cresci no Zambujal, de Loures, numa comunidade onde a maioria era africana – de Cabo Verde, de Moçambique, Guiné-Bissau, Angola – e havia portugueses de outros lugares, principalmente transmontanos. Tínhamos vários grupos de dança no bairro onde recriávamos coreografias de músicas tradicionais, de Angola e do Senegal – foi a minha primeira manifestação artística. Permaneci nesse grupo até à adolescência. Depois fui para o Chapitô, a seguir para o Conservatório e, depois, para o Brasil.

O Kalaf fala muito dos bairros periféricos de Lisboa como fábricas de cultura.

Às vezes tento explicar a diversidade e a versatilidade dos bairros africanos e a frustração que tenho de não poder contribuir para que essa cultura se expanda. O meu desejo, a minha grande ambição é criar uma casa de cultura na periferia de Lisboa. Acredito que se aquelas crianças e jovens tivessem acesso a mais informação, a mais formação, teríamos artistas maravilhosos. É tão inerente àqueles corpos, àquelas vozes, são tão potentes que acho um desperdício de talentos. É uma fábrica de cultura, de criatividade, feita com muito pouco.

Os seus pais identificavam-na como portuguesa. Dentro de casa havia alguma cultura que se impunha ou era uma mistura?

Era uma mistura muito neutra das duas. O meu pai não quis que aprendêssemos crioulo – eu só aprendi porque sou muito teimosa. O meu pai tinha muito medo que tivéssemos dificuldades de comunicação, principalmente nas instituições de formação e de ensino e, como ele teve formação académica, não queria que isso fosse uma questão para nós. Ele via os meus primos, os vizinhos que cresciam em Portugal e não conseguiam falar português correto. Eu e os meus irmãos crescemos numa cultura africana misturada, mas super-rígida. O meu pai seguia–nos atentamente nos trabalhos de casa, nos desportos que fazíamos, acompanhava-nos a todo o lado. Mas a cultura guineense, através de rituais, mostrou–se mais presente. A minha mãe foi criada por portugueses, veio muito nova para Lisboa e perdeu muita da sua cultura, bem como a língua – do kimbundo e do kikongo só fala algumas palavras. Fala português e aprendeu a falar o crioulo. Por isso, cultura africana era mais a guineense e do Senegal, pelas danças que fazíamos nos encontros de família.

O seu pai fazia o quê?

Era orçamentista de obras públicas e dava aulas. Está reformado, agora. Neste momento está na Guiné-Bissau, foi fazer uma viagem às origens.

Quantos irmãos tem?

Somos quatro. Éramos cinco, faleceu o mais velho, antes de eu nascer. Numas férias de verão morreu afogado, foi uma tragédia. Somos quatro, uma irmã mais velha, filha do primeiro casamento do meu pai, e nós três, dois rapazes e eu, que crescemos juntos.

E também têm tendências artísticas?

Sim, mas não exploraram muito. Todos fizemos dança. Eles cantavam, mas foram para desporto – um deles ainda joga futebol. O outro tem um gosto musical muito apurado e muito eclético, e está agora a desenvolver questões de DJ. Estamos a pensar gravar algumas músicas que gostamos muito de cantar.

Há um que ainda joga futebol?

Joga, mas já está mais velho, tem 34 anos, e está a jogar e a trabalhar no Luxemburgo.

Fez carreira no futebol em Portugal?

Os dois fizeram a escola do Sporting, depois foram para o Alverca. Um foi para os Açores, o outro começou um percurso pelo leste, Rússia, Letónia (Ventspills), e depois jogou em Angola – pediu a dupla cidadania e jogou uns cinco anos em Angola, no Primeiro de Agosto e no Líbolo [e Bravos do Maquis]. Chama-se João Martins e as pessoas que o conhecem e seguem o futebol dizem que não teve muita sorte por causa das lesões em momentos cruciais da carreira.

Como foi para o Chapitô?

Tinha acabado o liceu e deixara uma disciplina em atraso, e isso foi muito triste para mim porque era muito rigorosa com as notas. E como tinha um ano só para isso fui-me inscrever, vi que tinha cursos de interpretação teatral, uma coisa que queria explorar. O acordo com os meus pais era, em primeiro, acabar uma faculdade diferente e depois fazer o curso de teatro, só que essa coisa do Francês levou–me ao Chapitô, e a professora encantou–se comigo e deu-me força para ir para o Conservatório no ano seguinte. Fui, entrei com uma boa nota. Fiz Teatro, só que não quis acabar o curso lá, quis acabar o curso no Brasil.

Porquê a ideia de ir para o Brasil?

Queria mais do que o mercado em Portugal me estava a dar. Em 2008, 2009, alguns alunos do Conservatório eram indicados para fazer espetáculos, para algumas produções, e eu era indicada e só não ficava por ser preta. E isso deixou-me muito revoltada, muito triste. No mercado de Angola, que estava muito efervescente nas publicidades, não me queriam porque usava cabelo natural e não representava a beleza da mulher angolana, com extensões até à cintura – um estereótipo que, felizmente, está a mudar. E. também porque era ousada e falava, não era submissa. No mercado português, as portas eram muito complexas – eu tentava, os professores tentavam, e nada. E disse: “Não quero ficar em Portugal. Não vou viver frustrada, quero fazer coisas.” Nunca tinha vindo ao Brasil, mas havia um convénio do Conservatório e acabei por vir e ficar cá no Rio de Janeiro. Não foi fácil, mas encontrei aqui um lugar para poder compartilhar a minha arte e aprender – um momento de partilha e nutrição muito bons. E há oportunidades em Portugal que só consigo por ter estado aqui.

O mercado para atores negros em Portugal também melhorou. Há uma mudança nesta última década.

Sim, também. Mas ainda falta tanto!

Há o trabalho do Rogério de Carvalho, a companhia do Teatro Griot, peças de teatro só para atores negros…

E há produções de novelas. Mas não tenho visto muito. Fiz bastante teatro nos últimos anos em Portugal e foi muito bom. Voltar, estar em casa – estava com muitas saudades. Fiz um projeto o ano passado com a Mala Voadora que ganhou alguns prémios. Mas espero que haja mais. Vou fazer outras coisas e tenho desejo que as artes sejam descentralizadas – é tudo muito para os grandes centros, tudo muito elitista -, que cheguem a mais lugares.

Um teatro mais popular?

Sim, popular no bom sentido, que chegue a mais pessoas. Mas, dizia, vou ter agora uma participação na série do Ivo Ferreira para a RTP. O ano passado fiz um episódio noutra série para a RTP, para o Dia da Mulher, com a Teresa Paixão e o Daniel Gorjão.

Qual é a série do Ivo Ferreira e qual o papel que vai interpretar?

A série chama-se “Sul” e vou fazer uma inspetora da Judiciária. Acabei de receber o guião. Eles começaram no dia 15, mas como vou rodar aqui, só vou para lá no final de julho, início de agosto. Acho que é para se estrear ainda este ano.

Quando foi para o Brasil, queria ficar?

Não. Vinha por cinco meses, só que as coisas foram surgindo muito rápido. Fiz uma oficina onde estava uma portuguesa que produzia um diretor [encenador] – que, inclusive, vai estrear agora um espetáculo no Teatro Nacional, em Lisboa [Gustavo Ciríaco encena “Cortado por todos os lados, aberto por todos os cantos”, integrado no programa do Alkantara Festival] – e acabei por ir fazer uma oficina com ele e colaborar nos seus espetáculos durante cinco anos.

E vai continuar no Brasil?

A minha base, agora, é Lisboa. Já estou em Lisboa há ano e meio, mas venho fazer trabalhos ao Brasil. Vim fazer um espetáculo no final do ano com o Filipe Hirsch, chamado “Selvageria”, e também um filme. E agora vim fazer duas produções. Só venho para trabalhar.

Desde a rodagem de “As Boas Maneiras”, o ano passado, está cheia de novos projetos, uns já acabados, outros em pré-produção. A sua carreira parece estar a descolar no Brasil?

Tenho recebido bastantes solicitações e tenho agentes que me estão a ajudar a gerir as escolhas. O Brasil tem sido muito generoso comigo.

Foi o papel no “Joaquim” [no filme de Marcelo Gomes, Isabél Zuaa interpretou o papel da escrava que impele Tiradentes à revolta] que abriu essas portas?

Sem dúvida. O “Joaquim” chegou a muito mais pessoas. Mas “As Boas Maneiras”, que vai estrear-se agora, aqui no Brasil, e que esteve no Indie, não foi feito por convite, eu respondi a uma solicitação [anúncio] na internet. Mandei o meu material e depois fui fazer o casting; nem sabia para o que ia. Comecei a ler o roteiro e fiquei admirada, nunca tinha feito nada daquilo. Mas o “Joaquim”, sim, impulsionou-me bastante, e agora recebi um prémio de atriz revelação aqui no Brasil [prémio Guarani]. Fiquei muito surpreendida, fui escolhida entre mais de 150 filmes por mais de 100 críticos. É um prémio muito especial. Continuo a colaborar com o Marcelo Gomes. Estamos a escrever um roteiro que partiu de um convite dele para desenvolver o personagem da Preta.

Também tem convites para telenovelas?

Tive alguns convites, mas nada muito aliciante – os agentes fazem questão que vá lá outra vez, agora, deixar o material. Os convites que tive não me interessaram muito artisticamente. Quando for para fazer, quero fazer algo bom, com relevância. Sou vaidosa.

Só a atrai se for um bom papel?

A novela atrai-me, principalmente, em termos financeiros. Mas não quero fazer uma participação, quero um papel com relevância e que seja um trabalho a que me possa dedicar com empenho. É uma instituição com poder, que chega a muitas pessoas e, por isso mesmo, quero fazer uma coisa direitinha.

Numa entrevista que li afirmava que conheceu o preconceito no Brasil. Foi difícil afirmar-se?

Conheci desde sempre. Apesar de ser muito amada, bem relacionada, nós vivemos numa bolha e perceber isso é muito curioso. Quando era mais nova, lembro-me de passear com a minha mãe e ouvir “ó preta, vai para a tua terra!”. A minha mãe tem uma coisa de realeza silenciosa e de uma humanidade nessa ligação com o preconceito: perdoa e dá amor, e aprendi isso, cresci a tentar entender o que era o perdão e que o amor curava tudo. A minha mãe nunca foi preconceituosa, nunca foi racista. É claro que, naturalmente, por ser uma miúda preta, periférica, passei por vários constrangimentos, mas sempre soube defender–me bem. No Brasil, as convenções do preconceito só mudam um bocadinho porque a maior parte da população é negra. No mundo todo, só as convenções mudam. Estive na Alemanha, na Berlinale, o ano passado, e no meio daquilo tudo, do glamour, de ser muito bem recebida, de estar nomeada com a Isabelle Hupert, saí do cinema para comprar um sumo e veio um homem atacar-me por eu ser preta e estar ali. E no mundo artístico, onde nos gabamos de ser muito sensíveis, de ser muito humanos, foi o lugar onde conheci mais preconceito.

O cliché dos brandos costumes portugueses é só um disfarce para um racismo latente.

“Brancos” costumes, como diz uma amiga. Algumas coisas estão a mudar, mas todos os dias consigo surpreender-me pela positiva e pela negativa em relação ao racismo. Tenho uma esperança e uma desesperança.

Essa ideia que nós, portugueses, estamos sempre a vender de que não somos racistas faz com que haja tão pouca representatividade negra em Portugal?

Sem dúvida. Mas acho que agora já se estão a identificar mais e já se está a falar um pouco mais sobre isso. Eu vejo o racismo em Portugal mais nas instituições, está entranhado. No setor público, no setor privado, na política. As políticas são feitas em função de nós e os outros. Nós, os negros, somos sempre vistos como os outros, os imigrantes, mesmo quem tenha nascido em Portugal.

Foi preciso esperar até agora para termos uma ministra negra. Acha que isso pode ajudar a mudar as coisas?

Pouco a pouco, vamos mudando. Mas não podemos colocar nela a nossa esperança. Tem de haver mais diversidade, é com a diversidade que ganhamos. O racismo está tão entranhado que pode vir a ministra que vier! É nas pequenas ações que tem de mudar. É eu não me sentir constrangida no restaurante x ou y por ser negra. Não haver constrangimento por as pessoas me servirem ou estarem à espera que eu vá servi-las. Enquanto estiver onde as pessoas querem que esteja, está tudo bem, mas quando decido o meu lugar, isso deixa as pessoas confusas e desconfortáveis.

E para a mulher ainda é pior?

Sim, ser mulher, ser preta e ser artista é como se estivesse no final da cadeia alimentar. Na minha família, tenho primas que seguiram medicina, a minha irmã seguiu enfermagem, profissões ditas normais, emigraram para países do centro e do norte da Europa. Eu fui para o sul do hemisfério, fiz tudo o que não devia fazer para ascender. Foi o caminho que escolhi e vejo as minhas primas e a minha irmã a dizer-me: “Tu és muito corajosa!”

Integra um movimento de mulheres negras no Brasil?

Participo em várias celebrações, vou a palestras, a reuniões, mas sinto que não faço parte de nenhum movimento, vou–me movimentando dentro dos movimentos. A minha militância é no dia-a-dia. Sempre foi.

Dizia numa entrevista que nos anúncios existe a atriz e existe a atriz negra, e que isso é um absurdo.

Nas solicitações de trabalho, quando escrevem “atriz”, a convenção é que se trata de uma atriz branca. E comecei a desconstruir isso: sempre que vejo uma solicitação de atriz, envio o meu material. E já ouvi respostas como “não estávamos à espera de uma atriz com a sua tez”. [risos] Parece irrisório, mas é preciso fazer essas coisas. Eu sou atriz, sei que sou negra, preta, retinta, gengiva preta, carapinha, cabelo crespo, tudo e mais alguma coisa, mas tenho direito a fazer outro tipo de papéis. Tenho amplitude para fazer todo o tipo de papéis. Não me importo de fazer de escrava, mas não vou para a Globo fazer de escrava para corroborar estereótipos. Quero fazer uma escrava como fiz no “Joaquim”, uma líder quilombola que enfrenta um homem, que espoleta no Tiradentes, personagem histórico brasileiro, a vontade de se libertar daquela sociedade.

Sente uma evolução no Brasil em relação aos atores negros?

Sinto um maior cuidado, mas continuam a cair em estereótipos. Por exemplo, há uma confusão com a Globo porque uma novela que se estreou agora é passada na Baía e a maior parte do elenco é branco, sendo a Baía o estado mais negro fora de África. O meu trabalho tem sido criar outras dramaturgias, trazer outras narrativas, diversidade, cor.

Em que momento é que Isabel Susana Pinto Martins se transformou em Isabél com acento e Zuaa com dois ás?

[Risos] No momento em que fui a São Paulo e fiz numerologia cabalística. Achei curioso: o Zua é Susana em kimbundo. No Conservatório usava Isabel Martins, que achava muito português, não trazia a minha africanidade. Conhecia uma senhora que se chamava Isabel Martins que tinha cara de Isabel Martins. [risos] E disse à minha mãe que iria fazer uma homenagem às minhas avós no nome, a paterna é Isabel e a minha avó materna é Susana (Zua Mutange).

“As Boas Maneiras” fala da solidão da mulher negra.

Fala sobre a solidão da mulher negra, periférica, lésbica que encontra uma mulher branca, rica, também solitária, autoritária – fala de abusos de poder, também – e da relação dessas duas mulheres de mundos completamente diferentes e da sua transformação. Denuncia o abuso de poder e é importante haver essa transformação.

Como foi a tua abordagem à personagem, tendo em conta que é um filme de lobisomens, mas também é outra coisa?

Os meus trabalhos são sempre muito intuitivos, não tenho um método específico. Há coisas que gosto de saber, há coisas que não me importo de não saber e ir descobrindo. A personagem da Clara é muito diferente nas duas fases. Na primeira fomos definindo uma Clara misteriosa, mais inflexível, mais tensa. Na segunda tinha mais liberdade de movimentos. Na primeira parte há takes em que contávamos os passos.

Ficou logo com vontade de fazer o papel quando leu o guião?

Não. [risos] Fiquei um bocado assustada. Ainda para mais, quem ia fazer o papel da Clara era a Camila Pitanga, eu sou a Isabél Zuaa, que vem lá do Zambujal. Pensei que ia ser um desafio. É um filme de género, é a primeira vez que sou protagonista de um filme maior e o maior desafio de todos foi fazer o sotaque de São Paulo. O filme já esteve em 65 festivais, ganhámos uma série de prémios. Recebo mensagens em que choro, emocionada por ver como o filme pode tocar alguém.

Não sendo adepto de filmes de lobisomens, há uma coisa no filme que me atraiu: tudo o que aparenta normalidade no filme não é tão normal assim: a relação entre aquelas duas mulheres, a Clara, uma mulher negra, a criar sozinha um filho branco, e ninguém questionar isso.

No primeiro contacto com o guião perguntei-me: o que é isto? Depois fui-me apaixonando gradualmente – os diretores foram muito sensíveis, atentos, delicados, respeitosos, sabem ouvir. Eles têm muito carinho pelo trabalho.

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