É normal acreditar que somos imparciais e fazemos boas avaliações. Que olhamos somente para a qualidade daquilo que pretendemos avaliar. Porém, pesquisas sugerem o contrário. É difícil focar os critérios que realmente importam e, ao mesmo tempo, eliminar todos os nossos vieses, muitas vezes implícitos, dos processos avaliativos.
O mundo da música traz um importante ensinamento. Em 1970, estima-se que nas cincos principais orquestras sinfônicas dos Estados Unidos o percentual de mulheres fosse de menos de 5% de todos os músicos. Nas décadas de 1970 e 1980, várias orquestras começaram a revisar suas políticas de contratação. Muitas delas passaram a usar audições às cegas para esconder do júri a identidade do candidato. Como resultado, as chances de as mulheres serem admitidas aumentaram.
No estudo “Orchestrating Impartiality: The Impact of “Blind” Auditions on Female Musicians”, as pesquisadoras Claudia Goldin e Cecilia Rouse mostraram que as audições às cegas poderiam explicar até 55% do aumento da proporção feminina entre as novas contratações.
No futebol, o cenário é parecido. Ele também parece ser um pouco diferente quando não visualizamos quem é que está jogando. Essa é a conclusão do estudo “Pace and Power: Removing Unconscious Bias from Soccer Broadcasts”.
O ponto de partida do trabalho foi analisar a avaliação daqueles que, supostamente, entendem de futebol. É comum comentaristas e especialistas destacarem que jogadores brancos são inteligentes e que os negros possuem qualidades físicas. Na Copa do Mundo de 2018, no jogo entre Polônia, cujos jogadores eram todos brancos, e Senegal, equipe que tinha só negros, ficou evidente o viés racial na forma como comentaristas e a mídia avaliaram as duas equipes.
Nesse contexto, os pesquisadores do estudo procuraram entender como seriam as avaliações se não pudéssemos observar qual era o time que estava jogando. Para isso, criaram um vídeo com uma renderização em que os jogadores apareciam como bonecos e, desse modo, não era possível identificar a equipe.
No experimento, para os fãs de esportes que assistiram ao vídeo original do jogo da Copa do Mundo, 70% apontaram Senegal como equipe “mais atlética ou rápida”. Curiosamente, para aqueles que viram somente a animação e, assim, não conseguiam visualizar os jogadores, 62% escolheram a Polônia como o time mais atlético.
Tal evidência não deveria ser menosprezada. Para jogadores negros que pretendem virar técnicos, ser associado somente a boa forma física, não a inteligência, certamente é algo que os coloca em desvantagem.
No mundo dos livros, as minorias também não estão imunes a vieses. O autor de “Torto Arado” e premiado escritor Itamar Vieira Junior é um fenômeno literário. Porém, se dependesse somente da crítica, talvez seu destino tivesse sido outro. Conforme destacou Paulo Roberto Pires, em 2021, na Revista Quatro Cinco Um: “O livro de Itamar Vieira Junior não deve seu sucesso a jurados ou críticos, mas à irresistível boca a boca”. Na ocasião, Pires argumentou que a unanimidade em torno do escritor poderia gerar uma espécie de “fofura tóxica” que inibiria o debate sobre literatura.
De fato, críticas são importantes para o desenvolvimento de qualquer ser humano. Especialmente em um momento em que muitos estão abraçando bandeiras difíceis de defender. Entretanto, não podemos esquecer que, mesmo quando não temos a intenção, nossa tendência natural é penalizar, desproporcionalmente, aqueles que já são, sistematicamente, penalizados.
Diversas pesquisas sugerem que a avaliação das obras costuma ser indissociável da figura dos indivíduos. Preconceitos, implícitos ou não, e outros fatores tendem a chegar na frente do pretenso rigor intelectual.
O título é uma referência ao livro “Tristes Trópicos”, de Claude Lévi-Strauss, e uma homenagem à música de mesmo nome, de Itamar Assumpção.