Aos 29 anos, e ainda na faculdade, ele já trilha o caminho da fama com duas peças badaladas na Broadway
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Os dramaturgos raramente se tornam nomes conhecidos pelo público. Mas há uma boa chance de Jeremy O. Harris estar a caminho desse tipo de fama. Ele tem 29 anos e ainda estuda na Yale School of Drama, mas sua estreia na Broadway, com a provocante Slave Play, foi lançada no último outono em Nova York com um tipo arrebatador de atenção que qualquer escritor esperaria uma vida inteira para ter. Ele rapidamente seguiu em março com uma nova produção deslumbrante chamada Daddy e agora está sendo saudado como uma das novas vozes mais excitantes, teatrais ou não, de sua geração.
Encenada em uma plantação americana no Velho Sul, Slave Play é uma exploração crua de raça e sexo e apresenta uma reviravolta completamente desorientadora. A peça pede aos espectadores (especificamente aos espectadores brancos e heterossexuais) que reflitam sobre seus próprios privilégios e boas intenções. Ela é um assalto às expectativas, sim, mas também desafia as normas agradáveis da experiência teatral. Para Harris, aí está o ponto. Ele e eu nos conhecemos recentemente, na Broadway, para assistir a uma produção mais gentil e educada – The Ferryman, um sucesso de bilheteria e o favorito para ganhar muito no Tony Awards deste ano. Ele quer saber com o que todo mundo está animado.
Na multidão das matinês dos domingos, Harris se destaca, não apenas porque tem um metro e oitenta e cinco centímetros e usa um chapéu de tricô cor-de-rosa sobre suas grossas tranças, mas porque ele é um dos poucos negros na plateia. “Algumas pessoas me criticaram porque pensaram que eu escrevi uma peça para pessoas brancas”, diz Harris sobre o Slave Play, que saiu de cartaz em janeiro. “Mas parecia que meu público era muito diferente disso.” Por toda a recepção positiva que The Ferryman ganhou, a saga de mais de três horas de uma família irlandesa não consegue prender Harris, que admite que até o primeiro intervalo, ele pode ter cochilado. “Estou tentando descobrir o que mantém as pessoas aqui”, diz ele. Ao contrário de peças como The Ferryman, Harris espera que o público às vezes tenha dificuldades com o trabalho dele.
Ele quer que seus espectadores se sintam desconfortáveis, irritados, excitados – ele quer que eles sintam algo forte, mesmo que seja ódio. Por exemplo, Daddy, estrelado por Alan Cumming, conta a história de um jovem artista negro gay que enxerga um “sugar daddy” num rico colecionador de arte branca. “Ficou muito divertido associar uma espécie de regressão psíquica negra à brancura”, diz ele.
Em Daddy, a brancura e a masculinidade não são as metas, mas os corruptores. “Em nossa cultura, é preciso aproximar-se tanto quanto possível da masculinidade e da brancura para te balançar. E isso é algo altamente crítico.” Apesar de seu começo prodigioso, Harris não se propôs exatamente a ser um dramaturgo.
O americano cresceu em Martinsville, Virgínia – criado por uma mãe solteira que trabalhou em três empregos para mandá-lo para uma escola particular – e chegou à Universidade DePaul ansioso por estudar atuação. Mas mesmo com as peças que admirava, foi difícil para encontrar papéis e narrativas que não fossem heterossexuais e interpretadas pela perspectiva de pessoas brancas. Percebeu, então, que teria que escrevê-las por conta própria.
Inspirou-se no cenário da moda, arte e música e resolveu criar uma voz teatral que ressoasse com qualquer pessoa que pudesse se identificar com sua experiência como negro, gay, artista, sulista e fashionista. “E no final do dia”, diz ele, “ter esse tipo de pessoa no teatro é melhor do que ter outra pessoa branca idosa”.