Jovens de escola de dança da Maré fazem turnê por seis cidades francesas

Com coreografia de Maguy Marin, montagem deve chegar ao Brasil em 2019

Por ADRIANA PAVLOVA, do O Globo 

Escola Livre de Dança da Maré encena “May B”, de Maguy Marin, em turnê pela Europa – Sammi Landweer / Divulgação

A cena aconteceu num centro de artes na periferia de Lyon, França. A coreógrafa Maguy Marin — expoente de uma geração que mexeu com as bases da dança contemporânea europeia a partir dos anos 1980 — ensaia há mais de duas horas com dez jovens de 20 a 26 anos. Diante dos alunos do Núcleo de Formação Continuada da Escola Livre de Dança da Maré, a artista francesa mistura português-espanhol-francês-italiano, tendo como intérprete a coreógrafa brasileira Lia Rodrigues. Maguy, 67 anos, gesticula, mostra movimentos com seu corpo, faz caretas, dá gritos, pede que repitam dez vezes a mesma cena e, num momento doce, diz aos jovens que ouçam um trecho de violino numa obra de Schubert.

‘Num tempo em que são construídos mais muros e grades, propomos um movimento inverso, descobrindo novas possibilidades de trocas, diálogos e colaborações’

– LIA RODRIGUESDançarina

É o dia seguinte à estreia de “De Ste Foy-lès-Lyon à Rio de Janeiro, May B à la Maré, une fraternité”, no Ramdam Centre d’Art, dirigido por Maguy. Trata-se também do início da turnê por seis cidades francesas da remontagem com brasileiros da mais emblemática peça do repertório da artista, “May B”, criada em 1981, com inspiração na obra de Samuel Beckett e apresentada cerca de 700 vezes pelo mundo, inclusive no Rio, em 2001. Depois de Lyon e Cergy-Pontoise, o grupo está agora em Paris. Na semana passada, fizeram cinco récitas no Centquatre. No Brasil, a montagem só deve ser vista em 2019.

“May B à la Maré, une fraternité” é um presente de Maguy para o projeto de formação de jovens em dança idealizado por Lia Rodrigues e pela professora Silvia Soter, parte de uma iniciativa maior da companhia da coreógrafa brasileira, iniciada em 2005, em parceria com a ONG Redes de Desenvolvimento da Maré. Maguy cedeu os direitos da obra e deu os figurinos completos ao projeto, que conta hoje com os dez alunos do grupo avançado de formação e mais cinco escolhidos numa audição no ano passado, sem qualquer financiamento brasileiro atualmente — a fundação francesa Hermès é apoiadora desde o início.

Como definiu o jornal “Le Monde” na estreia, “May B à la Maré” é “um presente estético e econômico”, uma vez que a obra continua sendo a mais solicitada do repertório da coreógrafa.

— Num tempo em que são construídos mais muros e grades, propomos um movimento inverso, descobrindo novas possibilidades de trocas, diálogos e colaborações — diz Lia Rodrigues, que dançou com Maguy no início dos anos 1980.

UMA DOSE DE ADRENALINA

“May B” é uma peça em que dez personagens pouco convencionais (há uma gorda, uma idosa, gente torta, com as faces monstruosas, esbranquiçadas, roupas imundas), inspiradas no teatro do absurdo de Beckett, parecem buscar sentido para a vida. Cenas cômicas dividem o palco com momentos trágicos e outros líricos. Existe também um forte traço pedagógico, como explicou Maguy ao GLOBO:

— Há um trabalho grande e delicado sobre ritmo, musicalidade, precisão. E o que é mais especial é que “May B” pode ser aperfeiçoada depois de aprendida, como sempre pudesse melhorar.

A tensão nos corpos dos dez jovens da Maré, explícita na estreia em Lyon, deu lugar a uma dose certa de adrenalina em Paris. Ajudou terem passado pelo teatrão de Cergy-Pontoise, onde a maior parte do público era formada por estudantes, e um passeio pela Disney de Paris, depois de ensaios entre a Maré e a França. Chegaram ao Centquatre mais à vontade. E ali, na estreia, tiveram a segurança para se manifestarem politicamente. Nos aplausos, levantaram cartazes com frases e um retrato da vereadora Marielle Franco, morta há um mês, que, assim como eles, foi criada na Maré.

— Decidimos que, neste momento tão difícil do Brasil, era hora de mostrar nossas posições políticas. Nos posicionamos contra o fim da profissão de artista, sobre a prisão do Lula e sobre a Marielle, cuja morte nos afetou muito — explicou Luyd Carvalho, 21 anos, mostrando a face mais política da formação em artes com Lia.

Luyd e outros sete integrantes do grupo são alunos da graduação em dança da UFRJ, e os outros dois já se formaram. O trabalho de formação dos jovens no Centro de Artes da Maré acontece cinco vezes por semana, com quatro horas de aulas, reflexões, ensaios. Desde 2012, o grupo já apresentou dois trabalhos, teve aulas com dezenas de coreógrafos nacionais e até com nomes incensados internacionalmente, como a belga Anna Teresa De Keersmaeker e a portuguesa Vera Mantero.

O “May B” carioca tem um sabor a mais para uma das bailarinas. Luciana Barros, 26 anos, descobriu Maguy Marin no Núcleo de Formação, em 2012, quando se tornar uma artista era algo irreal para a garota que só havia dançado no grupo amador da Igreja Batista do Parque União:

— Difícil acreditar que agora estou aqui, com ela, aprendendo e trocando informações.

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