Grandes desafios se colocam para mulheres negras que decidiram se candidatar ao Parlamento e ao Executivo no Brasil, em 2022. Este é um ano especial, no qual comemoramos os 30 anos do encontro ocorrido na República Dominicana em que se instituiu 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Afro-Latina e Caribenha.
No Brasil, a data presta uma homenagem a Tereza de Benguela, líder quilombola que ajudou comunidades negras e indígenas na resistência à escravidão no século 18. Em nosso país, é também celebrada a 10ª edição do Julho das Pretas —criado no contexto de ações coletivas pelo Odara – Instituto da Mulher Negra— e tendo como mote “Mulheres Negras no Poder, Construindo o Bem Viver!”.
Os desafios colocados para as mulheres negras não são poucos, mas as mudanças nos Parlamentos já vêm ocorrendo. Nas eleições municipais de 2020, ocorreu um aumento de quase 700 cadeiras ocupadas por mulheres negras nas Câmaras Municipais e um aumento de mais de 2 milhões de votos do povo brasileiro nesse grupo; 32% a mais se compararmos com as eleições de 2016, segundo o Instituto Marielle Franco. Provavelmente esse aumento da presença negra no Parlamento vem provocando, de um lado, comemorações, e, de outro, a intensificação da violência.
A pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco com parlamentares negras, publicada em 2021, evidencia que 8 a cada 10 mulheres sofreram violência virtual de desinformação ou discurso de ódio —78% sofreram violência virtual, 63%, violência moral, e 55%, violência institucional.
A violência mostra o sentimento de ameaça diante de propostas que têm como eixo a construção de uma sociedade em que a proteção e o cuidado com o ambiente e a defesa dos direitos humanos, em particular de populações quilombolas, indígenas, negras e femininas, estejam conectados e tenham centralidade, orientando outras perspectivas de desenvolvimento.
Mas não só os desafios do enfrentamento da violência se colocam para as parlamentares. Daniela Rezende, num robusto estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2020, chama a atenção sobre a importância de mulheres ocuparem espaços de lideranças partidárias na Câmara dos Deputados.
Ela tem como base uma pesquisa realizada entre 1995 e 2015, que mostra o baixo número de legisladoras indicadas para liderança de partidos. Esse número variou de 0 a 2 na Câmara dos Deputados e no Senado, em cada ano. Considerando os dados agregados para todo o período, essas mulheres ocuparam as lideranças de partidos apenas em 12 e 13 ocasiões na Câmara e no Senado, respectivamente.
Os partidos são estruturas fundamentais na distribuição de recursos legislativos e eleitorais e têm um papel decisivo no aumento da presença de mulheres nos espaços de poder e tomada de decisão.
Rezende traz estudos que revelam que a ênfase de mulheres na liderança partidária aumenta o número de candidatas e eleitas. Com mais mulheres em sua estrutura interna, aumentam também as chances de adoção de ações afirmativas.
Líderes partidárias podem influenciar a representação de mulheres na elaboração de políticas públicas. O estudo destaca que, quanto maior o número de mulheres em comitês executivos de partidos, maiores as chances de que sejam incluídos temas relacionados à justiça social.
Rezende ressalta ainda que as lideranças podem fazer uso da palavra, orientar o voto da bancada de seu partido e criar condições para participar da definição da agenda da Casa legislativa. Ou seja, dentre tantos desafios que precisam ser enfrentados pelas mulheres e que se intensificam para negras, indígenas e quilombolas, encontra-se a necessidade de compreender e se apropriar do modo de funcionamento das Casas legislativas para poder transformá-las.
Esse modo de funcionamento que vem dificultando que as Casas legislativas cumpram seu papel de proteger nossas instituições, de fortalecer a democracia brasileira e de se orientar pela nossa Constituição.
A tarefa é grande, mas, atuando coletivamente, como vimos fazendo em tantos coletivos espalhados pelo país, as mudanças ocorrerão. Caminho sem volta.
Cida Bento
Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP