Justiça nega prisão de empresários acusados de torturar funcionários na BA

Um dos empregados diz que teve mãos queimadas com ferro de passar roupa, e o outro, que recebeu pauladas

O Tribunal de Justiça da Bahia negou o pedido de prisão preventiva dos empresários Alexandre Santos Carvalho e Diógenes Carvalho Souza, denunciados sob acusação do crime de tortura contra os funcionários Willian de Jesus Conceição e Marcos Eduardo Serra Silva.

Os dois jovens negros teriam sido torturados por supostamente terem furtado mercadorias e R$ 30 da loja de Salvador. Ocorridas em agosto, as agressões teriam sido cometidas, filmadas e divulgadas pelos dois denunciados pelo Ministério Público da Bahia. Os vídeos registrados pelos supostos torturadores viralizaram na internet.

O advogado Otto Lopes, que representa os dois acusados, definiu a decisão do juiz de negar a prisão como acertada e corajosa.

Marcos Silva aparece em um vídeo recebendo pauladas nas mãos, que teriam sido proferidas por Souza em 21 de agosto. Já Willian Conceição teria sofrido queimaduras nas mãos provocadas por um ferro de passar, dois dias depois do colega.

Em um dos vídeos, Conceição, 24, aparece seminu, com um pano na boca para abafar os gritos de dor, quando recebem a ordem para exibir o artigo 171 do Código Penal —em referência ao crime de estelionato—gravado nas mãos, a ferro quente, pelos agressores.

“Eles [os empregadores] acusavam todos os funcionários de furto. Então, eles descontavam no pagamento semanal da gente. Eu não roubei nada”, declarou à época Conceição à Folha. “Eles disseram que eu ia sofrer como no tempo da escravidão. Tive medo de morrer”, disse.

No outro vídeo, Silva é obrigado a contar as pauladas desferidas por Souza, sob narração de Carvalho. Na gravação, o empresário afirma que colocou R$ 30 debaixo do balcão para testar a honestidade do funcionário.

“Ó pessoal, mais um ladrão aqui. Trabalhou para mim aqui, a gente deu moral, deu confiança. Aí ele metendo mão no dinheiro. Botei uma isca para ele. Falei com meu primo aqui, que eu ia pegar ele […] Agora, ele tá colhendo o que ele plantou”, diz Carvalho no vídeo.

A decisão de negar o pedido do MP foi tomada na sexta-feira (21) pelo juiz José Reginaldo Costa Rodrigues Nogueira. Na avaliação do magistrado, à qual a Folha teve acesso, não havia motivo para aplicação de medida segregadora em desfavor dos denunciados.

Detalhe de mãos com marcas de queimadura; Polícia Civil e Ministério Público do Trabalho apuram denúncia – Reprodução/TV Bahia

No documento, o juiz diz que, apesar dos argumentos apresentados pelo MP –circunstâncias do fato delituoso e conveniência da instrução criminal–, não haveria necessidade de decretar medida extrema de segregação cautelar dos acusados.

“Apura-se dos autos que os acusados têm endereços fixos, profissões definidas e não possuem situação criminal desfavorável, tendo, inclusive, já constituído advogado”, argumentou o magistrado na decisão.

Nogueira agendou audiência de instrução e julgamento para o dia 19 de abril de 2023, às 14h, por videoconferência. “Salvo impossibilidade técnica ou objeção expressa e fundamentada das partes”, afirmou, na decisão.

Na avaliação do advogado Otto Lopes, a gravidade de uma acusação criminal, por si só, não é fundamento para decretar uma prisão preventiva.

“E o magistrado, após o requerimento ministerial e a manifestação da defesa, entendeu que não estavam os fundamentos para a decretação da prisão”, disse. “Tratam-se de réus primários, que estão colaborando com todo o curso processual.”


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