Kerry Washington, cinema e afins

Linda. Pele de pêssego. Primeira protagonista negra de uma série nos EUA. Exemplo. Assim como eu gostaria de ser.

 

No Caixa Preta 

 

Ontem fui entrevistada sobre a presença da mulher no cinema, eis que soltei tudo que estava engasgado e não sei como vai reverberar. Eu cansei de ver mulheres como mero objetos sexuais em filmes, como o nu a sempre ser explorado pela sua beleza, como loucas ou românticas, e só. Mulheres protagonistas são poucas, e quando são, só servem para perpetuar o estereótipo que nos cerca. E mesmo quando colocadas como figuras importantes e fortes na trama, tem que haver uma sexualização, um culto à nossa beleza. Ridículo.

 

E ainda se falando das negras é pior ainda. Sou muito feliz pelas personagens que tive ao longo da minha pequenina carreira como atriz. Mulheres fortes, mandonas, donas de si. Mas pobrinhas. Do interior. Tenho medo de estar fadada a isso. Me sinto na obrigação de quebrar esse estereótipo e transcender esse lugar da mulher negra no cinema. Sempre interioranas probrinhas. Nós amamos, nós sofremos, nós mandamos, nós somos lindas, inteligentes e tudo mais que uma mulher pode ser. Me sinto no dever de questionar diretores e roteiristas sobre o lugar em que sou colocada. Mas ao mesmo tempo tenho medo de ficar sem trabalho, o que já não tá muito fácil.

 

Recemente fiz um nu totalmente desnecessário. Discuti, mostrei minhas razões e o que tive de volta foi uma resposta abusada por conta da minha contestação. Recuei e obedeci pensando “ainda não acho que é a hora de montar essa banca, mas um dia vou bancar”. Felizmente e finalmente estou confortável com meu corpo depois de anos lutando contra minha imagem desfigurada no espelho. Contra uma paranóia que a maioria das mulheres tem em relação à seu corpo. Claro que ainda tenho algumas insatisfações a serem aceitas por mim. Mas o espelho agora é fiel à realidade.

 

A mulher sofre, mas a mulher é forte. E se torna mais forte ainda se acompanhada. Tenho lido muito sobre feminismo, tenho me fortalecido cada vez mais como indivíduo e mulher depois de um relacionamento mezzo doente, mas que abriu meus olhos para a mulher que eu sou nesse mundo, a mulher que devo ser. E sim, ainda sofro por ser negra, ainda sofro por ser muito bem resolvida com a minha sexualidade. Sou uma “negra linda” objetificada e desrespeitada pelos homens da minha cidade. Mesmo que seja invisível aos olhos deles, machistas que defendem a igualdade entre os sexos na marcha da vadia mas saem correndo de uma mulher que não aceita ser submissa. A solidão da mulher negra e os relacionamentos inter raciais. A minha vida pessoal mescla-se com minha vida profissional. A minha sexualidade questionada e temida por esses “boy lixo”, que eu não mais temo em enfrentar, é exaltada na frente das câmeras. Perco meu espírito. Perco minha personalidade para o meu corpo.

 

Não me encontro sozinha nessas questões. Não sou a única atingida e nem nunca serei. Não é somente por ser negra, é por ser mulher. E por ser mulher e negra vou lutar para isso deixar de acontecer. Quero meu corpo e meu sexo juntos à meu espírito. Quero respeito à mim e às minhas companheiras, que muitas vezes sentimos o peso desse machismo que insiste em nos culpar pelas atitudes absurdas que tem esses boy lixo. Não é apenas questão de sexo. É questão de coração, aceitação mútua e respeito. É questão de luta. É questão de conduta.

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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