A livraria Africanidades, fundada pela empreendedora Ketty Valêncio, possui um acervo com mais de 60 livros escritos somente por escritores afro-brasileiros
Por Anna Laura Moura Do Claudia
O preconceito racial se manifesta de diversas formas. Apesar de demonstrações públicas e agressivas de racismo estão cada vez menos frequentes, a discriminação encubada e sutil – aquela disfarçada de atitudes e frases suspeitas – ainda existe e está em todos os lugares, nas grandes instituições e espaços.
Para colaborar com o combate à essa falta de representatividade, a bibliotecária Ketty Valêncio, 34 anos, fundou a Livraria Africanidades. Nela tem de tudo um pouco: com livros sobre feminismo negro, quadrinhos, poesia e religião, todos têm como autores mulheres e homens negros. Ao todo, são mais de 60 exemplares.
Ketty é formada em Biblioteconomia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e fundou a livraria afim de promover a representatividade negra na Literatura, que se mostrava ausente tanto na grade de seu curso de graduação quanto em outros locais.
Em entrevista para a CLAUDIA, Ketty conta que seu primeiro contato com a Literatura Afro-brasileira começou muito cedo. “Eu descobri na época do Ensino Médio para a Graduação. Pra mim ela me curou e me salvou. Eu me vi naqueles livros, e senti que eu tinha possibilidade de fazer qualquer coisa que eu quisesse”, conta.
A bibliotecária conta que o racismo na faculdade é muito presente, mas de forma singela. “Tudo que eu estudei não tinha nada que me representasse. Tudo feito por homens brancos, assim como os alunos”. Para ela, faltam negros em todos os espaços. “A graduação é branca”, desabafa.
A Livraria Africanidades surgiu da vontade de Ketty de fazer com que pessoas negras se vejam nos livros que leiam, e usou seu curso como base. “Através do olhar do bibliotecário, a gente transforma vidas, conseguimos direcionar assuntos e visões. É a partir daí que a Africanidades acontece”. Surgiria então, em 2014, seu projeto.
Mas é claro que, para criar seu próprio negócio, é preciso ter um pouco de conhecimento em empreendedorismo. A bibliotecária se preparou o suficiente. “Fiz MBA na FGV, onde pude criar um plano de negócios. Depois que terminei esse curso, fui executar a livraria na cara e na coragem”, conta.
A livraria não é a principal fonte de lucro para Ketty, que tem um emprego fixo como bibliotecária. Para ela, seu projeto representa toda uma militância negra e resistente em uma sociedade eurocentrada. “A gente milita em todos os espaços. Sendo uma mulher negra, sou questionada, invisibilizada e silenciada. Então, só a minha presença já é uma grande resistência“, afirma.
Os livros do acervo são comprados por consignações ou negociados diretamente com o autor ou a editora. Um dos critérios para que o material faça parte da livraria é ser pouco conhecido, pois a ideia é dar visibilidade para obras alternativas com pouco destaque. “Quanto mais desconhecido pra mim, é melhor. Ainda mais se for por mulheres pretas“, explica.
Além da Africanidades e do emprego fixo, Ketty possui outras atividades na área da militância: já participou de coletivos feministas e, atualmente, trabalha em parceria com a Eparrei e a Heroicas no Mercado Negra – feira de cultura afro onde mulheres negras podem divulgar sua empresa e vender seus produtos.
A livraria ainda não possui um local físico, somente digital. Porém, funciona presencialmente em bancas de eventos da cultura afro e em um ponto de atendimento no salão Paola Afro Hair, localizado na República, centro da São Paulo.
A empreendedora conta que a loja física ainda é um sonho, mas está encaminhado. “Cada mulher preta tem uma história maravilhosa pra contar e pra oferecer. Quando a gente investe nela, damos a ela a possibilidade de continuar lutando, vivendo no mundo“, conta. Estamos na torcida, Ketty!