Lançamento de ‘Inumera’ em Salvador

Depois de ser lançado em Ilhéus (12/01/12) e Itabuna (19/01/12), INÚMERA, o meu livro de poemas chega a Salvador, numa promoção do Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos (CEPAIA). Será uma grande festa poético-musical, com as participações de Vércia Gonçalvez, Carlos Barros, Zé Liveira, Gabriel Barros, Brisa Aziz, Daniel Fernandes, Sapiranga (música) e Rita Santana, Lorenza Mucida, Daniela Galdino (poesia).

 

 

 

“… SOU INTRUSA, SOU INÚBIL, SOU INÚMERA”

daniela galdinoRe-começo a vida em 2012 trazendo ao público o meu segundo livro de poemas: Inúmera. Trata-se de uma obra em movimento, feita em transe e no trânsito dos dias, nos deslocamentos do corpo que percorre paisagens alheias e familiares… Na minha atual modalidade de vida, em que enceno o papel de “migrante pendular”, não poderia ser de outra maneira… No entanto, o meu desafio da/na escrita é provocar a linguagem e construir imagens de maneira a gerar uma obra que não seja um testemunho pessoal… o meu desejo, com Inúmera, é construir uma ciranda com as/os leitoras/es (que podem ou não se reconhecer no escrito, mas que serão provocadas/os de alguma forma).

Com ilustrações de Daniel Prudente (baiano de Itabuna, artista visual formado pela UFMG), Inúmera é uma obra que nasce junto com a editora que a publica: a Mondrongo (editora do Teatro Popular de Ilhéus). Essa é uma opção consciente: movimentar a cena artística sulbaiana e, ao mesmo tempo, projetar as nossas produções em outros espaços. Daí o propósito de construir uma ampla agenda de lançamento de Inúmera, começando pelo sul da Bahia, Ilhéus (12 de janeiro de 2012, Casa dos Artistas) e Itabuna (19 de janeiro de 2012, sede da FICC) e depois percorrendo outras cidades e capitais.

Inúmera, para captar as nuances femininas, está organizado em cinco partes: “Eu sou uma interrogação vagando com pressa”, “É passeio abissal”, “Nos absurdos de uma colheita infeliz”, “Toma o fôlego aos ventos esparsos”, “Eu sou maior por dentro”.

Aqui prefiro não dizer mais, abrir alas e deixar passar quem encanta palavras para apresentar a obra: Tânia Lima (poeta recifense-maranhense cuja obra possui reconhecimento nacional. Tânia foi uma grata surpresa em 2010: nos conhecemos transitando pelas ladeiras de Ouro Preto), Carlos Barros (figura altamente sensível, cantor, compositor que atua principalmente na cena baiana da soterópolis. A voz e a presença de palco de Carlos sempre me atraem e me libertam), Daniel Fernandes (cantador, músico, poeta de coisas mínimas, professor de música do Colégio Pedro II – RJ, militante das artes e da vida. Daniel também é fruto de inusitado encontro no trânsito inimaginável que se experimenta pelas ruas do Recife antigo). Estas são as primeiras vozes que tratam de Inúmera, o tom é o da sensibilidade, pondo abaixo os academicismos que podem esquartejar o literário.


POEMAS DO LIVRO “INÚMERA”, DE DANIELA GALDINO

GALDINO, Daniela. Inúmera. Ilhéus – BA: Mondrongo, 2011.

INÚMERA

Eu tenho a síndrome de Tim Maia.

Eu tenho as varizes de Clara Nunes.

Eu tenho os vícios de Piaf.

Eu tenho a orelha de Van Gogh.

Eu tenho a perna que falta ao Saci.

Eu tenho o olfato de Freud.

Eu tenho o cansaço de Amélia.

Eu tenho o peso de Maria.

Eu tenho as dermatoses de Macabéa.

Eu tenho a cusparada de Sofará.

Eu sou a linha tênue que une os xipófagos.

Eu sou uma interrogação vagando com pressa.

Eu sou um insulto atirado à queima roupa.

Eu tenho atalhos ainda não percorridos.

Eu tenho palavras desgastadas e nulas.

Eu tenho uma voz penífera e cortante.

Eu confesso: sou intrusa, sou inúbil, sou inúmera.

(Daniela Galdino)


 

MULHER ABJETA

Não sei desenhar

não sei fazer conta

só entendo de assustar palavras.

Puxo o verbo pelo rabo

finco dente no dorso.

Quero des-edificar lares

provocar divórcio

entre significante e significado.

Aí será o oco da linguagem varrido pelo avesso…

Encosto a boca na orelha dos vocábulos

e sussurro:

“Deus é a nossa criação necessária”.

Eles habitam pântanos de pânicos.

Estão prontos para representar meus terrores.

Eu não espero pelo dia

em que o meu nome flutuará

nas páginas de uma hagiografia.

Não sei qual evangelho rege

as impurezas da minha arte.

Eu transbordo excrescências,

dúvidas,

luminosidades.

E… só entendo de assustar palavras.

(Daniela Galdino)


 

SAUDADE AMANHECIDA

meus pés contêm mapas

distorcidos por cartógrafos loucos.

e esses pés tocam sem cuidado

a profusão de fios… rastros… fluxos…

eu esqueço os ares de moça

ignoro compêndios

transito por rotas imprecisas:

língua percorre lágrimas

boca engole axilas

dedos iluminam côncavos

buceta grita espumas

corpo bambeia na cadência

da memória indistinta:

seus jorros trêmulos

em meus pontos cardeais.

(Daniela Galdino)


 

ALVORECIDA

Acordei com um sol enorme

dentro de mim

abrasaram-se os órgãos vitais

raios trafegaram minhas veias

borbulharam pensamentos de lama

nos lençóis freáticos da memória

o sol tomou conta de tudo

expandiu felonias esquecidas

ergueu-se um centenário baobá

no terreiro inabitado de mim

o frêmito deste nascimento

alimentou espetáculo frondoso:

sombra nas costas do dia

vertigem na borboleta.

(Daniela Galdino)

CONSELHO INFANTIL

Dandara

Medi o rio que divide a cidade do Mim

Mirei o espectro de peixes isolados

Aspirei o miasma de sonhos esquecidos

Segui o transitar das baronesas inférteis

Multipliquei-me em silêncio.

Ensaiei a elegância das garças.

As tuas palavras despertaram-me:

“eu sou maior por dentro”.

(Daniela Galdino)

 

 

Fonte: Operária das Ruinas

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