Léa Garcia, a brasileira que encantou Paris, completa 86 anos

Junto com Ruth de Souza e Zezé Motta, Léa Garcia é uma das maiores estrelas negras do cinema brasileiro. Com mais de 20 filmes no currículo, Léa também é conhecida por seus trabalhos em telenovelas, destacando-se como a vilã Rosa em A Escrava Isaura (1976), uma das novelas brasileiras que mais bem sucedidas internacionalmente.

Do Memórias Cinematográficas 

 

Léa Garcia- mulher idosa negra, de cabelo curto e cacheado, vestindo camiseta colorida- em pé olhando para rente e sorrindo
Léa Garcia em Mister Brau, 2016 (Foto:  João Cotta/Globo)

 

Léa Lucas Garcia de Aguiar nasceu na Praça Mauá, Rio de Janeiro, em 11 de março de 1933. Sua mãe morreu quando ela tinha 11 anos de idade, e Léa foi morar com a avó, que era empregada na casa de uma família tradicional carioca.

Seu pai queria que ela fosse contabilista, e ela formou-se na Escola Amaro Cavalcanti. Mas, contrariando seu pai, Léa começou a ter aulas de danças folclóricas com Mercedes Baptista, integrante do Teatro Experimental Negro (TEN). Através de Mercedes, Léa conheceu o ator e diretor do TEN, Abadias do Nascimento, e com ele se casou em 1951.

Léa ingressou no TEN, onde começou a ter aulas de interpretação, e em 1952 estreou na revista Rapsódia Negra (1952), apresentada nos palcos da Boate Acapulco (cuja diretora artística era a vedete Salomé Parísio).

Léa teve dois filhos com Abadias, mas o casal se separou em 1954. Mesmo assim, a atriz seguiu atuando em produções do TEN, como O Imperador Jones (1953), O Filho Pródigo (1953), A Alma que Volta Para Casa (1956), e Sortilégio (1957).

Em 1956 ela atuou na peça Orfeu da Conceição (1956), escrita por Vinícius de Moraes. A peça transpunha o mito grego de Orfeu e Eurídice para os morros do Rio de Janeiro. A atriz fazia o papel de Mira. O espetáculo, encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tinha cenários de Oscar Niemeyer e os figurinos eram feitos Lila de Moraes, a esposa de Vinícius.

 

Léa Garcia na capa da revista Manchete
Léa Garcia na capa da revista Manchete, em 1964 (Foto: Reprodução/ Manchete)

 

Dayse Paiva era Eurídice, e Haroldo Costa vivia Orfeu. No elenco ainda Zeni Pereira, Abadias do Nascimento, Pérola Negra e o cantor Ciro Monteiro.

No ano seguinte, atuou em Perdoa-me Por me Traíres (1957), de Nelson Rodrigues. O autor também atuava na peça, numa das raras aparições como ator. Léa interpretava uma enfermeira.

No teatro ainda atuou em peças como A Invasão (1962), de Dias Gomes e Soraia, Posto 2 (1964), de Pedro Bloch. Anos mais tarde, atuou em Piaf (1983), estrelada por Bibi Ferreira.

Em 1959 Léa Garcia estreou no cinema em Orfeu do Carnaval, também chamado Orfeu Negro (Black Orpheu, 1959) uma produção francesa baseada na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius. Dirigido pelo francês Marcel Camus, e rodado no Rio de Janeiro, o filme fez um grande sucesso.

Trailer do filme Orfeu Negro

Do elenco original da peça, apenas Léa Garcia continuava na produção. Ela desta vez interpretava Serafina, a prima de Eurídice. A atriz Lourdes de Oliveira interpretava Mira, papel que havia sido de Léa no teatro. O então jogador de futebol gaúcho Breno Mello era o interprete de Orfeu, e a dançarina americana Marpessa Dawn era Eurídice. No elenco ainda, o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva e a cantora Elizeth Cardoso.

A trilha sonora da obra era composta por músicas de Tom Jobim, Luís Bonfá, Vinícius de Moraes e Antônio Maria. Agostinho dos Santos cantava “Manhã de Carnaval”, a música-tema de Orfeu, e o filme foi um dos precursores ao introduzir a Bossa Nova no exterior.

O filme fez muito sucesso, e venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro daquele ano, sendo o único filme em língua portuguesa a vencer tal prêmio até o momento. Também levou o Globo de Ouro de filme estrangeiro e recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1960. Léa Garcia por pouco também não levou a Palma de Ouro de melhor atriz, perdendo por poucos votos para Jeanne Moreau.

Ficando em segundo lugar, a atriz derrotou no pleito a italiana Anna Magnani.

Orfeu Negro era o filme favorito da mãe de Barack Obama, que tinha uma pasta de recortes sobre a produção, e era grande fã do ator Breno Mello. Em sua biografia, Obama contou que, em 1983, sua mãe o levou para assistir o filme, que estava vendo sendo exibido em Nova York. Emocionada, Ann Obama contou que foi o primeiro filme estrangeiro que assistiu, aos 16 anos de idade.

Empolgado com o sucesso do filme, o diretor Marcel Camus escalou Lourdes de Oliveira e Léa Garcia para seu próximo filme, Os Bandeirantes (1960). E levou suas estrelas para Paris, como forma de divulgação.

As atrizes foram a sensação da “Cidade Luz”. O estilista Dior ofereceu vestidos para as brasileiras, e a revista Paris Match dedicou quatro páginas para as artistas, que receberam elogios acalorados de François Truffaut, cineasta ícone da Novelle Vague.

Rodado na Amazônia, Os Bandeirantes (1960) ainda tinha no elenco o ator francês Raymond Loyer. Mas a produção não repetiu o mesmo sucesso de Orfeu Negro.

Lourdes de Oliveira acabou não dando continuidade à carreira, mas Léa Garcia continuou atuando com sucesso. Ela retornou ao cinema em Ganga Zumba (1963), primeiro filme do diretor Cacá Diegues.

Antes disto, ela havia atuado em O Santo Módico (1964), que só foi lançado após a estreia de Ganga Zumba. O Santo Módico era um filme brasileiro dirigido pelo cineasta francês Robert Mazoyer. Léa voltava a contracenar com Breno Mello no longa, que foi um dos primeiros filmes nacionais feito em cores, e ainda tinha no elenco a cantora Leny Eversong, no único filme em que ela atuou (Leny apareceu cantando em outras produções).

Léa Garcia havia estreado no Grande Teatro Tupi em na década de 50, e retornou a emissora no programa Vendem-se Terrenos no Céu (1963). Mas a atriz só estrearia nas novelas em Os Acorrentados (1968), na TV Rio. Escrita por Janete Clair, a novela tinha Dina Sfat e Beth Faria como protagonista.

Em 1970 Dias Gomes, com quem ela havia trabalhado no teatro em A Invasão, a convidou para ingressar na Rede Globo, na novela Assim na Terra Como no Céu (1970). Léa interpretava a empregada de Jardel Filho, seu colega de elenco em A Invasão. Sua próxima novela foi Minha Doce Namorada (1971). Depois a atriz voltou a trabalhar com Janet Clair em O Homem que Deve Morrer (1971), onde causou polêmica ao viver um casal interracial com o ator Paulo Araújo.

Na década de 70 a atriz ainda atuou nas novelas Selva de Pedra (1972), Os Ossos do Barão (1973), Fogo Sobre a Terra (1974) e A Moreninha (1975). Mas seu grande sucesso foi como a vilão Rosa em A Escrava Isaura (1976). Léa chegou a apanhar na rua por conta das maldades praticadas contra a doce Isaura de Lucélia Santos.

 

Rubens de Falco e Léa Garcia em A Escrava Isaura (Foto: Imagem retirada do siteMemórias Cinematográficas )

 

No cinema, continuava muito atuante, participando de O Forte (1974), Feminino Plural (1976), Ladrões de Cinema (1977) e A Deusa Negra (1978). Também atuou em Em Compasso de Espera (1975), único filme realizado pelo diretor teatral Antunes Alves, e A Noiva da Cidade (1978), de Alex Vianny. Léa havia conhecido Vianny durante sua temporada em Paris, onde também foi apresentada a Vanja Orico, única atriz brasileira a trabalhar com Federico Fellini e que fazia muito sucesso na Europa.

Léa voltou a trabalhar com o cineasta Cacá Diegues em Quilombo (1984). Essa parceria se repetiria em 1991, quando Léa foi convidada para atuar no remake de Orfeu, estrelada agora pelo cantor Toni Garrido. Eles voltariam a trabalhar juntos em O Maior Amor do Mundo (2006).

Na década de 80, Léa continuou atuando nas produções da Rede Globo, participando da novela Marina (1980), e das minisséries Bandidos da Falange (1983), Abolição (1988) e Agosto (1993). Na TV Manchete fez as novelas Dona Beija (1986) e Helena (1987).

Ela retornou a Globo para atuar em A Viagem (1994), contratada por obra. Em seguida fez Tocaia Grande (1995) e Xica da Silva (1996), na TV Manchete. Em Xica da Silva Léa conheceu a atriz Thais Araújo, que viria a interpretar sua filha no remake de Anjo Mau (1997), um dos seus trabalhos preferidos na televisão. Léa interpretava a costureira Cida, que também era mãe de Luiza Brunnet, uma mulher que havia ficado rica e escondia sua origem, renegando a própria mãe.

No cinema, ainda atuou na cinebiografia do poeta negro Cruz e Souza, no filme Cruz e Souza, o Poeta do Desterro (1998), de Sylvio Back. Ainda fez Viva Sapato (2002), Mulheres do Brasil (2006), Nzinga (2007) e Billi Pig (2012). Em 2004 contracenou com a veterana Ruth de Souza no filme Filhas do Vento (2004), de Joel Zito Araújo. Pelo desempenho, ambas as atrizes foram agraciadas com o prêmio de melhor atuação feminina no Festival de Cinema de Gramado.

Léa também recebeu o prêmio de melhor atriz em diversos festivais. Ela ganhou o prêmio da Jornada Internacional de Cinema da Bahia por seu trabalho em Memórias da Chibata (2006), do Festival de Natal por Dias Amargos (2009) e recebeu outro Kikito em Gramado por Acalanto (2012). Por Acalanto ela ainda foi premiada no Festival de Cuiabá e no Brazilian Film & Television Festival, em Toronto. Todos esses filmes são curta-metragens.

 

Lea Garcia e Lázaro Ramos (Foto: João Cotta/ TV Globo)

 

Na televisão, após fazer uma participação em O Clone (2001), Léa Garcia foi para a Record, onde atuou em Cidadão Brasileiro (2006), Luz do Sol (2007) e A Lei e o Crime (2009).
Em 2016 Léa Garcia fez participações nas novelas Êta Mundo Bom! (2016) e Sol Nascente (2016), e no ano seguinte atuou na série Mister Brown (2017). Seus últimos trabalhos foram nas séries Assédio (2018) e Carcereiros (2019).

Atualmente está no elenco do filme Pacified, uma produção norte-americana rodada no Brasil e Boca de Ouro, longa-metragem dirigido por Daniel Filho, ambos em fase de pós-produção.

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