O pior disso tudo é que nem os políticos nem grande parte da comunidade científica e mesmo da população se dá conta dessa perigosa realidade. Ela é tergiversada ou ocultada, pois é demasiadamente antissistêmica. Obrigar-nos-ia a mudar, coisa que poucos almejam. Bem dizia Antonio Donato Nobre num estudo recentíssimo (2014) sobre O futuro climático da Amazônia: ”A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe (as grande secas que virão), estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”.
Falta-nos um sonho maior que galvanize as pessoas para salvar a vida no Planeta e garantir o futuro da espécie humana. Morrem as ideologias. Envelhecem as filosofias. Mas os grandes sonhos permanecem. São eles que nos guiam através de novas visões e nos estimulam para gestar novas relações sociais, para com a natureza e a Mãe Terra.
Agora entendemos a pertinência das palavras do cacique pele-vermelha Seattle dirigidas ao governador Stevens, do estado de Washington em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique não entendia por que se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar ou vender a aragem, o verdor das plantas, a limpidez da água cristalina e o esplendor das paisagens? Para ele, tudo isso é terra, e não o solo como meio de produção.
Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê e a civilização dos brancos “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que esse transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã”.
Qual é o sonho dominante de nosso paradigma civilizatório que colocou o mercado e a mercadoria como o eixo estruturador de toda a vida social? É a posse de bens materiais, a acumulação financeira maior possível e o desfrute mais intenso que pudermos de tudo o que a natureza e a cultura nos podem oferecer até à saciedade. É o triunfo do materialismo refinado que coopta até o espiritual, feito mercadoria com a enganosa literatura de autoajuda, cheia de mil fórmulas para sermos felizes, construída com cacos de psicologia, de nova cosmologia, de religião oriental, de mensagens cristãs e de esoterismo. É enganação para criar a ilusão da felicidade fácil.
Mesmo assim, por todas as partes surgem grupos portadores de nova reverência para com a Terra. Inauguram comportamentos alternativos, elaboram novos sonhos de um acordo de amizade com a natureza e creem que o caos presente não é só caótico mas generativo de um novo paradigma de civilização, que eu chamaria de civilização de religação, sintonizada com a lei mais fundamental da vida e do universo, que é a panrelacionalidade, a sinergia e a complementariedade.
Então teríamos feito a grande travessia para o realmente humano, amigo da vida e aberto ao Mistério de todas as coisas. Ou mudamos, ou seguiremos por um triste caminho sem retorno.