Neste vídeo gravado no sábado (06/07/2013), na aldeia Figueira, na terra indígena do povo Xokleng (Laklãnõ), 25 quilômetros do centro da cidade de Vítor Meirelles, interior de Santa Catarina, o músico e poeta Marcondes Nanblá canta uma música romântica toda em idioma xokleng. Confira a MÚSICA SERTANEJA XOKLENG.
Da Rádio Yandê
O Líder, professor, músico e poeta Laklãnõ-Xokleng Marcondes Nanblá, de 38 anos, foi encontrado desacordado na madrugada do dia 1º de janeiro, no Centro de Penha, Litoral Norte de Santa Catarina com sinais de espancamento, ele estava inconsciente e com um ferimento na cabeça. O Corpo de Bombeiros foi acionado na Rua Eugênio Krause pela manhã do dia 2, ele levado para o Pronto Atendimento da cidade e encaminhado ao Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, sendo internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), não resistiu e morreu no início da noite de terça-feira (2), o boletim de ocorrência teria sido registrado por parentes de Marcondes, na Central de Polícia de Itajaí no mesmo dia.
Polícia Civil de Balneário Piçarras não teria sido comunicada oficialmente sobre o caso segundo informações do Diário Catarinense. Nas redes sociais amigos e alunos da vítima pedem justiça e esclarecimento do assassinato para que o agressor seja punido. Câmeras de monitoramento teriam filmado a agressão feita por um homem que estava com um cão e pedaço de madeira na mão. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar e a Fundação Nacional do Índio encaminhou à sua Procuradoria Federal especializada informações.
Laklãnõ “Filhos do Sol’, da Terra Indígena Laklãnõ, da aldeia que fica em José Boiteux, no Vale do Itajaí, casado e tinha cinco filhos, o professor da Escola Indígena José Boiteux Laklãnõ é lembrado com admiração e orgulho. As circunstâncias da morte de Marcondes Nanblá geraram revolta nas redes sociais por conta da invisibilidade no inicio das investigações.
Foto: Arquivo pessoal – João Natel
“Com imensa tristeza soube, hoje, da morte (brutalmente assassinado), de Marcondes Nanblá, líder indígena da Aldeia Barragem, na terra Laklãno- Xokleng de Ibirama, ocorrido em Piçarras (correção Penha). Foi um dos formuladores da Política Indígena da FURB, que discutiremos no Conselho Universitário. Culto e visionário, buscava nas crianças indígenas a preservação de sua cultura. Esperamos que este crime seja esclarecido e os responsáveis punidos. Até o momento, em busca de informações na imprensa, nenhuma menção. Será que a violência contra os indígenas, nem estatística é, tornando-se invisível? Quando visitei a Aldeia Bugio, chamou a atenção a frase na parede da pequena escola deles. Infelizmente, fora de suas terras, eles não encontram respeito.”, escreveu João Natel em sua rede social.
Em 2015 o assassinato a sangue frio de uma criança kaingang também em Santa Catarina gerou grande indignação pelo silenciamento da mídia. O não indígena Matheus Ávila Silveira foi condenado a 19 anos de prisão, em regime fechado, pelo assassinato do pequeno Vitor Kaingang, de apenas dois anos. Em 30 de dezembro de 2015, na rodoviária do município de Imbituba (SC), o bebê amamentava no colo da mãe, que vendia artesanatos quando Matheus se aproximou e o degolou Vitor com um estilete. Apesar de ser apontado problemas do assassino com drogas ilícitas, a escolha de matar uma criança indígena também revelou um crime racial.
Casos de espancamento a indígenas envolvendo racismo vem ocorrendo cada vez mais nos últimos anos e existe desconfiança que neste caso não tenha sido diferente. Em 2016 um estudante indígena de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi agredido por um grupo de rapazes, diante da moradia estudantil da instituição e o crime teria sido motivado por racismo, ele foi provocado com afirmações “o que estes indígenas estão fazendo aí”. O momento da agressão também foi mostrado em câmera de segurança.
Marcondes Nambla era um educador muito querido por seu povo. Ele desenvolvia o importante trabalho de fortalecimento da língua Laklanõ. Voluntário e formado no curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em 2013 participou do “Parlons Xokleng/ Laklãnõ”, obra publicada em 2014 pela editora francesa L´Harmattan. Pretendia fazer mestrado em Antropologia e ampliar a escola indígena que atuava. Seu trabalho mais conhecido foi Infância Laklãnõ: Ensaio Preliminar. link
Em nota o Núcleo de Estudos Indígenas – NEI/FURB com Grupo de pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento – GPEAD/FURB publicou:
“Dizem que a grandeza de um ser humano se traduz na qualidade de seus atos, suas vivências, sementes de mais vida digna por onde vai passando. Marcondes Nanblá , pai, amigo, educador, líder indígena, estudioso e guerreiro na luta pela vida, história e cultura do Povo Laklano Xokleng no Vale Indígena do Itajaí, nos deixa no exemplo de sua jornada terrena o convite e o desafio para continuarmos coletivamente sua tarefa em construção. Sua presença alegre, perspicaz, conhecedora da história e cultura de seu povo nos momentos que juntos vivenciamos nos acompanhará na luta que segue na busca e construção por outros mundos melhores, e ainda possíveis. Este era teu desejo, esta era tua prática, esta era tua luta diária. Segue em paz jovem guerreiro que tantos exemplos deixas para tua família, teu povo, teus amigos e para os que tiveram a benção de contigo conviver, nem que fosse por breves momentos. Te saudamos neste dia quando o sol se ergue no horizonte nos lembrando, que segues em luz, honra e coração tranquilo daqueles que viveram o bom combate! Obrigada pelos valiosos ensinamentos, alegria e sonhos partilhados. Em luto pela tua injusta e desumana vida interrompida nos despedimos aqui agora, na certeza que juntos estaremos em cada ação para a concretização dos teus sonhos para com teu povo e demais povos indígenas no Brasil e além dele. Em respeito e gratidão a ti, tua família e amigos mais queridos expressamos nossos mais sinceros votos de pesar.”
O Núcleo de Estudos de Povos Indígenas (NEPI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vem a público expressar o profundo pesar e a extrema necessidade de justiça frente ao assassinato cruel sofrido pelo professor indígena Laklãnõ-Xokleng, Marcondes Namblá.
“Marcondes foi morto enquanto fazia trabalho temporário em Penha-SC, vendendo picolé neste período de férias turísticas no litoral do estado. Foi espancado na cabeça até cair desacordado, foi resgatado pelos bombeiros, levado ao hospital, passou por três cirurgias e não resistiu. Marcondes era egresso da UFSC, formado pelo Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, fazia parte de uma geração que vislumbrou na Universidade um lugar para compreender melhor as dinâmicas políticas, econômicas e sociais que ao longo da história atingiram seu povo de forma injusta e sangrenta. O povo Laklãnõ-Xokleng vem Resistindo aos efeitos muitas vezes perversos do embate com o Estado e Marcondes descobriu que poderia compreender tais dinâmicas estudando as crianças de seu povo, dialogando com a Antropologia, a História e a Linguística. Mostrou que a Barragem Norte, que dividiu a Terra Indígena Laklãnõ, transformou o cotidiano das crianças, limitando o banho de rio e as brincadeiras que eram desenvolvidas na água. Mais ainda: estas brincadeiras mobilizavam vocabulários específicos, na língua nativa, que deixavam de ser utilizados pelas crianças, uma vez que as mesmas viam-se impedidas de brincar em determinadas partes do rio. Como professor e liderança em sua comunidade, preocupava-se com a língua materna, com processos de circulação de saberes e com as dimensões identitárias que eram configuradas pelo território. Tinha planos de seguir os estudos em nível de Mestrado, tinha posicionamentos claros quanto ao lugar da escola na formação das crianças e jovens de sua Terra Indígena, tinha projetos ligados à revitalização da língua Laklãnõ-Xokleng, tinha a intenção de ter uma renda extra neste verão… Tinha tudo isso quando saiu na rua, foi abordado e brutalmente assassinado! A nós restou a revolta de ter de aceitar a notícia de que vidas indígenas são interrompidas em qualquer esquina, como se algum outro ser humano tivesse o direito de fazer isto… Não tem! Em dezembro de 2015, o menino Vitor, da etnia Kaingang, foi assassinado na rodoviária de Imbituba, litoral catarinense, no colo de sua mãe. A Terra Indígena de Morro dos Cavalos vem sofrendo ataques consecutivos, violentos, os quais deixam marcas físicas, como uma mão decepada, e psicológicas, tal qual o medo que não vai embora. A violência aos povos indígenas é sistemática, diária, individual e coletiva.
A equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC:
PERDEMOS MARCONDES
Perdemos todos com a partida brusca, trágica e inadmissível de Marcondes Namblá, ocorrida em 02 de janeiro de 2018. Estamos de luto, sentindo profunda amargura e consternação. Marcondes, pertencente ao povo Laklãnõ-Xokleng da Terra Indígena Laklãnõ, Alto Vale do Itajaí, integrou a primeira turma do curso Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC, cuja formatura ocorreu em abril de 2015. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso pesquisou e trabalhou o tema Infância Laklãnõ e a prática dos banhos nos rios, obscurecidos pela construção da Barragem Norte. Em suas Considerações Finais aponta: “Espero que essa reflexão possa contribuir para a construção de um novo pensamento em busca de alternativas para a resolução dessa problemática que hoje está instituída entre os Filhos do Sol e que os Espíritos da Natureza estejam conosco nos direcionando para o caminho certo.” Marcondes era uma liderança expressiva e ora exercia o cargo de juiz na Terra Indígena. Era exímio falante da língua Laklãnõ e dominava a sua escrita e compreensão. Era professor na Escola Laklãnõ. Perdemos a criatividade, o brilhantismo, a originalidade e sensibilidade, o empenho, o vigor e os horizontes de Marcondes. Ficamos com a memória, feitos, reflexões, sua alegria, competência e habilidade.
Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena. UFSC, 03 de janeiro de 2018.
O corpo do Marcondes Nambla, foi velado nesta quarta-feira (3) na Igreja Pentecostal Adoração a Deus da Aldeia Coqueiro e o sepultamento no cemitério da Aldeia Figueira.