Literatura marginal brasileira ultrapassa fronteira das periferias

Fenômeno ganha espaço e reconhecimento com formas alternativas de publicação e distribuição de sua poesia. Alemanha é o primeiro país a receber esse novo movimento do Brasil

por Deutsche Welle

Sérgio Vaz, poeta e um dos principais nomes do movimento no Brasil

Um evento que começou na semana passada em Berlim apresenta ao público alemão vozes raramente ouvidas pelos próprios brasileiros. Escrito sobre as Margens (da Cidade). Semana da Literatura Marginal mostra a literatura feita na periferia dos grandes centros urbanos do Brasil.

“Essa é a primeira semana de literatura marginal fora do Brasil. Nossa intenção é encontrar conexões dessa literatura marginal brasileira dentro das cidades que o evento vai visitar: Berlim, Colônia e Hamburgo”, diz Carlos Souza, um dos organizadores do evento. A ideia é achar denominadores comuns entre as cidades brasileiras e alemãs. “Queremos achar a conexão entre a poesia urbana nessas diferentes culturas e encarar a rua como um espaço de socialização, reflexão e discussão.”

Souza também é o fundador do coletivo Urban Artitude, que busca estimular ações artísticas com engajamento político e que transitem dentro do universo da cultura urbana. “A linguagem cultural dentro do complexo urbano permite que muitos jovens possam encontrar sua identidade e dialogar com o mundo. Queremos potencializar ações não só no Brasil e na América Latina, mas também na África”, explica.

Para o organizador, a literatura marginal no Brasil é um fenômeno que ganhou espaço e, hoje, recebe o reconhecimento do governo como uma importante voz vinda da periferia, além de ser uma “ferramenta importante de manifestação cultural”.

Literatura periférica

“A literatura marginal é a que vem da periferia. Diferente do que era feito nos anos 1970”, descreve Sérgio Vaz, poeta e um dos principais nomes do movimento no Brasil. “Gosto do termo literatura periférica porque diz de onde viemos. Antigamente falavam pela gente. Hoje, falamos por nós mesmos”, afirma.

Em 2000, Vaz fundou o coletivo Cooperifa (Coordenação Cultural da Periferia) com a ideia de saraus abertos a todos os que quisessem se manifestar através da poesia. “Essa é a literatura dos pobres e oprimidos, o povo se assanhando a contar sua própria história. Não é uma literatura melhor que a acadêmica – muito pelo contrário. Mas é carregada de emoção e verdade”, explicou.

A iniciativa começou de forma e em lugar inusitado. “Em 2001, eu e o Marcos Pezão [outro idealizador dos saraus] começamos com a ideia de fazer poesia num bar. Onde vivemos não há cinema, praça pública ou parque. O único lugar público é o bar. Resolvemos então transformar o bar num centro cultural”.

A ideia começou a despertar o interesse da população e o projeto foi crescendo. Hoje são mais de 50 saraus que acontecem por todo o país, inspirados no encontro original da Cooperifa. “As pessoas perceberam que não adianta ficar esperando o governo construir um teatro ou um centro cultural. Elas precisam transformar o lugar que elas têm”, completa Vaz.

O poeta tem oito livros publicados – começou a publicar de forma independente e hoje faz parte de uma grande editora. “Acho que o escritor tem que correr atrás do seu leitor. Antes era mais difícil. Hoje a poesia pode ser publicada num blog ou no Facebook e tem uma visibilidade imediata”, exemplifica o escritor, que publicou seu primeiro livro em 1988 e completa, em 2013, 25 anos de carreira.

Diferentes problemas, mesma rua

O movimento da poesia periférica tem ligação com o movimento hip hop, muito forte na periferia de São Paulo. “Foi o hip hop que começou a falar da periferia. Os rappers falavam da sua realidade, dos seus bairros, assim como a Bossa Nova falava de Ipanema e de Copacabana. As pessoas tinham vergonha de falar que moravam na periferia. [Mas] quem deveria ter vergonha é o governo e não a gente. O movimento negro começou a se assumir e o pobre também”, diz Vaz.

No Brasil, a celebração da vida na periferia não é exclusividade do hip hop ou do rap. Hoje, outros estilos musicais, como o funk e o samba, também criam uma identificação com o público e um orgulho das origens.

A disseminação da cultura da periferia também acabou com vários clichês. Por muito tempo associado à cultura da periferia, o rap, por exemplo, costuma unir música e poesia. Mas o ritmo acabava se sobrepondo às letras, que se tornavam secundárias para o público.

Com os saraus, a música e a poesia do rap se separaram e as letras passaram a ser mais ouvidas e entendidas pelo público. Artistas de rap costumam recitar as próprias letras nos saraus.

Outro preconceito que acabou sendo quebrado com os encontros nas periferias brasileiras foi o fato de a poesia ser vista como algo “acadêmico e chato” – um clichê que vale não apenas na periferia, mas também em áreas mais ricas das cidades. Os saraus fizeram com que a poesia fosse desmistificada. “Nossos encontros são abertos a todos os tipos de poesia, sem censura prévia. Só temos um limite de tempo para podermos dar voz a todos”, avalia Vaz.

O poeta diz também que, apesar de quererem estimular ações de engajamento político, os saraus não permitem discursos panfletários, porque esses adotam um tom de superioridade. Vaz acredita que o público dos saraus tem “ojeriza” a esse tipo de manifestação, considerada arrogante. “A política tem que estar inserida em um contexto poético.”, explica. “Temos que entender como a comunidade pensa. Eu tenho que me ajoelhar diante das pessoas, da minha comunidade. Senão não conseguimos nos comunicar”.

A série de eventos em Berlim inclui discussões, exibição de filmes, palestras, oficinas, workshops e dois saraus no estilo dos que acontecem na periferia de São Paulo. Um dos eventos acontecerá em Berlim e outro em Colônia, com poetas brasileiros e alemães. Os saraus, que acontecem até sexta-feira 31 nas cidades alemãs, também serão abertos a todos os que gostam de ou escrevem poesias. Todos os eventos acontecem em alemão e em português.

Autoria Marco Sanchez

 

Fonte: Carta Capital

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