A mais antiga versão da história de Cinderela data da China, por volta de 860. Charles Perrault e os Irmãos Grimm apresentaram ao mundo as versões mais conhecidas, entre centenas de outras, inclusive eternizadas em obras audiovisuais norte-americanas e europeias. Agora, em uma muito bem-vinda versão brasileira, a escritora, educadora, contadora de histórias e finalista do Prêmio Jabuti (2022), Mafuane Oliveira lança Cinderela do rio (Ed. Peirópolis / PROAC), livro infantil que conta com ilustrações de Taisa Borges e posfácio de Bel Santos Mayer, além de marcar a estreia do “Selo Chaveiroeiro”, que foi contemplado pelo Edital ProAC 2023, da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo. O lançamento irá ocorrer no dia 4 de setembro, na Biblioteca Mário de Andrade, e conta com uma roda de conversa entre a autora e Bel Santos Mayer com mediação de Bianca Santana, além de sessão de autógrafos e contação de histórias.
Mafuane Oliveira, paulistana, é uma eterna aprendiz da contação de história. Embora popularmente no Brasil e em muitas tradições africanas nomeiem as contadoras que repassam o conhecimento através da palavra falada de gritos, Mafuane nos relembra que “o escritor malinês e mestre tradição oral Amadou Hampâté Bâ diz que os griots estão longe de serem os únicos transmissores de histórias e memórias, o griot é um integrante de um conjunto maior de “mestres ou tradicionalistas da palavra”, que são os grandes depositários do legado da tradição oral. Esses mestres, na cultura bambara, podem ser chamados também de Doma ou Soma, Conhecedores”, ou Donikeba, “fazedores de conhecimento”. A diversidade de mestres transmissores de saberes pode também variar de acordo com o ramo tradicional específico que o contador de histórias pertence.”
Mafuane chegou na versão final de Cinderela do rioapós anos de encantamento ouvindo sua avó baiana, Judite Maria de Jesus, contando histórias. A escritora juntou a isso a pesquisa de tradição oral da professora Dra. Edil Silva Costa da UNEB, que recolheu histórias populares de cinderela entre mulheres da Bahia, além de outras referências pessoais. Assim, Mafuane lapidou a jornada de Mariazinha,, ribeirinha do Nordeste, separada de sua mãe e forçada a trabalhar na casa de sua madrinha, como muitas meninas e mulheres que dedicaram suas vidas ao trabalho doméstico como se fossem “quase da família”.
“É interessante eu poder recontar essas histórias, sendo também de uma família de mulheres baianas, um clã de trabalhadoras domésticas, rurais, lavadeiras e cozinheiras que superaram abusos e se reinventaram de inúmeras formas para dar uma vida digna e encantada às suas filhas e filhos. Quando falamos sobre a ‘cultura popular brasileira’, não podemos esquecer que grande parte dela é originada das culturas indígenas e africanas. Então, eu estou recontando essas histórias a partir de um olhar oriundo dos valores civilizatórios afro-brasileiros, e essa oralidade não é para ser um resgate, não faz parte do olhar folclorizante e de distanciamento que muitas vezes a acadêmia e a indústria cultural impõem as culturas afro-ameríndias. Isso é algo que está vivo, que faz parte realmente da nossa cultura e não está apenas no lugar do entretenimento, é uma metodologia de transmissão de saberes e de memórias das mulheres negras, que são as mulheres que normalmente contavam muito essas histórias, perpetuando saberes que, hoje, poderiam estar perdidos”, explica Mafuane.
O livro torna-se universalmente identificável para o leitor brasileiro de todas as idades, trazendo elementos comuns de nossa cultura em toda a extensão da narrativa. O reconto de Mafuane é fluído, resultado da sensibilidade adquirida com os anos de leitura e contato com a rica tradição oral de sua família. Aliam-se a isso as dinâmicas ilustrações de Taisa Borges. A artista usa os desenhos como adendo fundamental do conto, estabelecendo um precioso diálogo entre escrita e imagem, capturando de forma exemplar os anseios da personagem e os elementos da cultura que também ganham vida na história.
Se a Gata Borralheira que conhecemos busca nos comover pelo sofrimento imposto por sua madrasta e irmãs, em Cinderela do rio temos o pano de fundo (nem tão fundo assim) do contexto social brasileiro, que traz pungência à história, negando-se a subestimar a inteligência de seu público, discorrendo sobre desigualdades, privilégios e injustiças, porém jamais negando a possibilidade de sonhar, como escreveu a educadora social Bel Santos Mayer no posfácio “…. Temos em mãos um livro que nos lembra que, se quisermos um Brasil mais leitor, com mais oportunidades culturais, mais sonhos e sem desigualdades, crianças e adolescentes não devem trabalhar – crianças e adolescentes precisam brincar, estudar, ler. Uma obra para cada pessoa que já encontrou ou busca o seu lugar no mundo, para frear as maldades e os falsos cuidados que geram crianças e adolescentes com ‘quase dignidade’, ‘quase abandonados à própria sorte’…”
A publicação do livro contou com projeto gráfico de Juão Vaz e produção executiva de Caru Laet, sob projeto editorial assinado pela Ed. Peirópolis, que neste ano comemora 30 anos de atuação no mercado de livros infantis e infanto-juvenis. Texto e narrativa visual encontram espaço rico em Cinderela do rio, dando visibilidade para as pesquisas da autora sobre o poder da tradição oral com o capricho artístico de Taisa Borges.
Utilizando a afro-referência como um símbolo e uma prática de luta, Mafuane fez mais do que combater o racismo com seu novo livro – ele é também uma forma de enaltecimento de nossa cultura e da biografia de nossas contadoras de histórias. Se uma memória partida é o fim de um legado, a autora solidifica suas heranças literárias em Cinderela do rio. “Esse livro em especial é um reconto de muitas mulheres, e é uma história de encantamento. Mas, na verdade, ela revela fatos que acontecem ainda hoje, de violência com as mulheres, sobretudo em relação à questão do trabalho doméstico, então ela está situada na atemporalidade, de coisas que são do agora e já estavam acontecendo antes.”
Selo Chaveiroeiro
O lançamento de Cinderela do rio no dia 4 de setembro também marca o lançamento do “Selo Chaveiroeiro”, que reúne conteúdos com curadoria, pesquisa e publicações de Mafuane Oliveira em diversos formatos: artigos, publicações impressas e digitais, podcasts para as infâncias e conteúdos audiovisuais. “Eu tenho uma quantidade de material muito grande. Quase todas as minhas principais histórias estão no ‘Deixa Que Eu Conto’, numa plataforma do Unicef, e são também frutos de performances, pesquisas e trabalhos que eu realizava em sala de aula, como professora de educação básica. Algumas histórias estão no acervo do audiovisual do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), no projeto ‘Histórias de Jardim’, algumas fazem parte da programação da TV Rá Tim Bum um canal de televisão filiado a TV Cultura, dedicado ao público infantil, então a ideia do selo é conseguir reunir essas produções que estão espalhadas, unindo-as debaixo de um mesmo guarda-chuva, evitando que a minha produção intelectual e artística fique diluída e difusa. Assim, as pessoas conseguirão identificar e acessar de uma maneira mais fácil e ter um panorama global das obras que imprimem o meu pensamento filosófico e social. Chaveiroeiro vai zelar cuidadosamente sobre o compêndio da minha obra com uma curadoria que se debruça em questões de gênero, raça e, sobretudo, na manutenção e na preservação das memórias negras”, explica a autora.
O intuito principal da criação do selo é conferir maior alcance e visibilidade à pesquisa e prmances que Oliveira vem realizando há mais de 16 anos em seu projeto de contação de histórias e formação de professores, também chamado “Chaveiroeiro”. O projeto reunirá contos, cantigas e causos que mantêm vivo o imaginário simbólico de tradições orais populares, ameríndias e africanas.
As publicações do selo abordam temas que contribuem para a construção de outro imaginário de sociedade. As narrativas, em sua maioria, trazem o protagonismo de personagens negras, bem como histórias que valorizam os legados civilizatórios das tradições orais africanas, afrodiaspóricas. Seus temas promovem não só o pertencimento racial na infância, como a difusão de conteúdos e conhecimentos de culturas da América Latina, de uma nova história contada através de lentes não-ocidentais, com práticas antirracistas, letramento racial e afirmação de identidades regionais, ameríndias e afro-luso-diaspóricas, além do direito das infâncias ao conhecimento e à equidade.
Este projeto foi contemplado pelo Edital ProAC 2023, da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo.
AGENDA DE PROMOÇÃO DE CINDERELA DO RIO
29/08, 10h às 11h – Pré-lançamento do livro Biblioteca Pró-Saber SP – Contação de Histórias
Paraisópolis. R. Manoel Antônio Pinto, 974.
04/09, 19h às 21h – Lançamento do Livro Biblioteca Mário de Andrade – Contação de História e Roda de Conversa com Bel Santos Mayer e mediação de Bianca Santana / Sessão de Autógrafos
República. R. da Consolação, 94. Auditório.
04/09, 22h Celebração: Restaurante Pará Bahia com apresentação do Samba de Roda da Casa Mestre Ananias e DJ Hilton Hits.
Bela Vista. R. Santo Antônio, 1277.
06/09, 14h às 15h – Biblioteca Comunitária Casa das Histórias – Contação de história
Parelheiros. Rua Jane Vanine Capozi, 106.
07/09, 16h às 16h30 – 16ª Vielada Cultural – Contação de História
Jd. Boa Vista – Comunidade do Morumbizinho. R. André Dias, 83.
08/09, 14h30 às 15h30 – Sesc 24 de Maio – Contação de Histórias
República. R. 24 de Maio, 109.
09/09, 12h às 13h – Bibliosesc – Bienal do Livro – Contação de Histórias
Santana. Distrito Anhembi. Avenida Olavo Fontoura, 1209.
14/09, 11h às 13h – Biblioteca Hans Christian Andersen – Contação de Histórias / Roda de Conversa com Educadores / Sessão de Autógrafos
Tatuapé. Av. Celso Garcia, 4142.
20/09, 15h às 16h – FELIZS: EMEI Angenor de Oliveira – Cartola – Contação de História
Parque Independencia. R. Mário Totta, 100.
Perfil da autora no Instagram @mafuane e @chaveiroeiro
Cinderela do rio
56 páginas
ISBN 978-65-5931-345-7
Livro digital ISBN 978-65-5931-349-5
Valor: R$ 70,00
Lançamento:
Dia: 04 de setembro
Local: Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, 94
Sobre a autora Mafuane Oliveira
Mafuane Oliveira é contadora de histórias, escritora, educadora e mestranda no Instituto de Artes da UNESP. Tem dedicado suas pesquisas aos temas da memória, performance, oralituras afrobrasileiras, literatura infanto-juvenil e culturas da infância. É criadora do Chaveiroeiro, projeto de narração de histórias e formação de professores, voltado à pesquisa, difusão e transcrição de narrativas tradicionais africanas e afro-luso-ameríndias e curadoria literária para as infâncias. Também é apresentadora do programa Contos Rá Tim Bum e coautora do livro Mesma Nova História, finalista do prêmio Jabuti 2022 na categoria de melhor livro infantil.
A convite das embaixadas do Brasil em Moçambique e em São Tomé e Príncipe, ministrou em ambos os países cursos sobre mediação de leitura e narração de histórias para professores da educação básica e jovens artistas. Trabalhou como arte-educadora no Núcleo de Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e como podcaster do UNICEF no Brasil, no programa Deixa que eu Conto, roteirizando episódios relacionados a biografias e culturas afrobrasileiras, destinados à infância e educadores. Atualmente é colaboradora da Casa Sueli Carneiro no projeto Fazedoras de Memórias Negras.
Para saber mais, visite: https://linktr.ee/mafuane
Sobre Taisa Borges (ilustradora)
Taisa Borges é artista plástica de formação, ilustradora e autora. Estudou pintura na Beaux Arts e estilismo de moda no Studio Berçot, ambos em Paris, na França. Após trabalhar com moda, encontrou-se na literatura infantil, à qual se dedica desde 1990, tendo ilustrado 80 livros. De sua autoria, publicou sete livros de imagem e uma história em quadrinhos. Em 2006, recebeu o prêmio O Melhor Livro de Imagem pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Foi indicada três vezes ao Prêmio Jabuti e nomeada finalista do prêmio HQMix. Sua arte fez parte da exposição Brazil: Countless Threads Countless Tales, com curadoria da FNLIJ, na Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha, que viajou por diversos países da Europa representando o Brasil. Participou da Bienal de Ilustração de Bratislava nos anos de 2019, 2021 e 2023.
Seu trabalho também pode ser conhecido no site: http://taisaborges.com.
SINOPSE DE CINDERELA DO RIO
Um dos mais conhecidos contos de fadas surge em versão e cenário brasileiros. Mariazinha, menina como tantas crianças brasileiras, é a nossa Cinderela, separada de sua mãe e forçada a realizar trabalhos domésticos desde cedo. Fruto de pesquisa e de referências pessoais de Mafuane Oliveira, a narrativa ganhou ilustrações de Taisa Borges, que ressaltou as cores das paisagens nordestinas, os elementos de nossa cultura popular – com fortes raízes africanas – e a presença do fantástico, tão característico nesse tipo de conto. Aliando aspectos que reconhecemos nos contextos sociais brasileiros à atmosfera de encantamento, Cinderela do rio apresenta diferentes camadas de leitura, possibilitando aos leitores tanto a emoção da fruição estética como importantes reflexões sobre a desigualdade social em nossa sociedade.