Loo Nascimento: A fashionista que se tornou uma verdadeira ‘caçadora de coisas daora’

“Toda vez que eu olho o tecido, eu lembro do ano que ele foi comprado, onde eu estava e o que eu estava sentindo”.

Do Huffpost Brasil

 

Dividindo as suas andanças atrás da estamparia perfeita nas redes sociais, a baiana conquistou uma legião de mais de 60 mil seguidores no Instagram (JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

Após 12 anos vivendo em São Paulo, é em Salvador, onde nasceu, que Loo Nascimentoquer se reencontrar. Uma das principais voz das mulheres negras empoderadoras na web, ela se autodenomina cool hunter, termo que – com alguma boa vontade – pode ser traduzido para o português como “caçadora de coisas daora”. E “bota” caçadora nisso.

Aprendeu a gostar de moda dentro de casa, na Bahia, onde esteve rodeada o tempo todo de mulheres assumidamente vaidosas. Mergulhou de vez no segmento quando se mudou para a capital paulista para modelar e, apesar de adorar as passarelas, encontrou sua verdadeira paixão nos bastidores. “O desfile só é a pontinha do iceberg”.

Toda vez que eu olho o tecido, eu lembro do ano que ele foi comprado, onde eu estava e o que eu estava sentindo.

Loo acredita que a nova geração de meninas negras sai à frente da dela justamente pelo advento da internet. (JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

Foi prestando atenção no que acontecia detrás das coxias que a modelo resolveu criar um blog no qual dividia suas referências de comportamento e estilo para outras meninas. Mas faltava a mão na massa. Decidiu então confeccionar algumas camisetas com frases de empoderamento e comercializá-las numa lojinha virtual. Só que ainda não bastava.

Que a Loo é fissurada por moda vocês já entenderam. O que talvez não tenha ficado ainda tão claro é que, dentro desse universo enorme, ela sempre nutriu um xodó: a estampa. O hobby de farejar as melhores cores, texturas e figuras nos tecidos é apelidado pela modelo de “garimpo” – e o entusiasmo com o que ela explora essas possibilidades faz com que o codinome quase que assuma o sentido literal da palavra.

Eu me sentia extremamente cobrada no começo. Comecei a pensar: meu Deus, quem é esse povo? O que eles tão olhando?

Foi desse fascínio que surgiu a Dresscoração, coleção de roupas idealizadas e desenhadas por ela, cujas estampas brasileiras se misturam com a estética africana – em suas próprias palavras: “Bráfrica em nós”. Na marca, as modelagens são praticamente as mesmas, ela conta. Tal qual uma impressão digital, o que jamais se repete é o desenho.

“Tem tecido que eu compro em, sei lá, Minas Gerais, no Pará, que vai ser praticamente impossível eu voltar lá depois de um tempo e achar ele de novo. Então é criada uma certa essência de exclusividade, de contação de história. Toda vez que eu olho o tecido, eu lembro do ano que ele foi comprado, onde eu estava e o que eu estava sentindo”, se derrete.

Dividindo as suas andanças atrás da estamparia perfeita nas redes sociais, a baiana conquistou uma legião de mais de 60 mil seguidores no Instagram. “Eu me sentia extremamente cobrada no começo. Comecei a pensar: meu Deus, quem é esse povo? O que eles tão olhando? O que eu tô mostrando para tanta gente eu nunca nem vi?”.

Eu tinha toda essa força e aparato dentro de casa, mas você só mostra quem é fora dela. Quando eu chegava na escola ninguém dizia que eu era bonita – por mais que dentro de casa minha mãe dissesse que eu era linda e que meu pai dissesse que eu era incrível.

Sobre o espaço no qual consegue se fazer vista em um clique para uma multidão, Loo conta que o objetivo é o que fazer com que outras meninas pretas passem a pensar mais sobre elas mesmas e aumentem sua autoestima. E ela é tão eficaz em sua mensagem, que para quem vê a sua surra diária de stories, fica difícil imaginar que nem sempre foi assim.

“Eu tinha toda essa força e aparato dentro de casa, mas você só mostra quem é fora dela. Quando eu chegava na escola ninguém dizia que eu era bonita — por mais que dentro de casa minha mãe dissesse que eu era linda e que meu pai dissesse que eu era incrível, uma princesa”, revela.

Loo acredita que a nova geração de meninas negras sai à frente da dela justamente pelo advento da internet. Junto ao desespero e a necessidade de encontrar uma referência diferente dos estereótipos apresentados pela televisão, na web o povo preto consegue ser dono da sua própria narrativa. “A internet possibilita isso e eu adoro – porque eu falo para caralho (risos)”.

Sempre tive muito isso de me afirmar o tempo todo como mulher soteropolitana. Estando aqui, não preciso frisar isso.

A ideia de Loo, em suas próprias palavras, é auxiliar o empreendedorismo de emergência a passar para o próximo estágio. (JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

É esse o espírito que a estilista quer trazer para a cidade natal, para onde voltou há pouco mais de um ano. Na capital baiana realizou o Bráfrica Day, um evento voltado ao afroempreendedorismo no qual reuniu, além de palestras e workshops voltados à cultura afro, auxílio para quem desejava começar o seu próprio negócio – instruções de como fazer um CNPJ ou abrir uma conta jurídica, por exemplo. A ideia de Loo, em suas próprias palavras, é auxiliar o empreendedorismo de emergência a passar para o próximo estágio.

“Sempre tive muito isso de me afirmar o tempo todo como mulher soteropolitana. Estando aqui, não preciso frisar isso. Tô aqui, sou daqui e tô muito consciente do quanto eu quero exercitar tudo que aprendi aqui, na minha cidade”. Lindíssima, falou tudoney*.

*ela fala tudo com ‘ney’ em seu Instagram (tanto que a @ dela é neyzona).

Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Clara Rellstab

Imagem: Juh Almeida

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil

+ sobre o tema

Luiza Bairros (1953-2016)

Morreu no 12 de julho 2016 a grande Luiza...

Jurema Werneck: ‘Ser mulher negra no Brasil de hoje é sinônimo de luta’

Em entrevista ao HuffPost Brasil, diretora da Anistia Internacional...

Mulher, negra e feminista: conheça a nova secretária-geral da UNE

Mariana Jorge é estudante de jornalismo da UFBA e...

para lembrar

Mulheres Negras ocupam hoje as ruas de São Paulo em marcha

Negras marcham contra as opressões de raça, gênero e...

Menina-moça e negra: YouTubers fazem uma bela homenagem às adolescentes

“Ninguém era a rainha da popularidade do colégio”, alfineta...

Conheça a história das mulheres que estão no novo clipe do Emicida: “Chapa”

“Meu filho Johnathan de Oliveira Lima de 19 anos,...
spot_imgspot_img

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...

Da’Vine Joy Randolph vence o Oscar de Melhor atriz coadjuvante

Uma das favoritas da noite do 96º Oscar, Da'Vine Joy Randolph se sagrou a Melhor atriz coadjuvante da principal premiação norte-americana do cinema. Destaque...
-+=