Lula teve visão política em relação à África, diz pensador

Dayanne Mikevis

Céléstin Monga diz que, apesar dos avanços, Brasil ainda é “tímido” na África


O intelectual camaronês Céléstin Monga se mostrou maravilhado com São Paulo em sua primeira visita ao Brasil e se perguntava a todo momento “como eu não vim antes” durante uma entrevista ao R7 em um café da cidade.

O autor de Niilismo e Negritude -lançado no Brasil pela editora Martins Fontes -, que atualmente ocupa o posto de economista-chefe e assessor do presidente do Banco Mundial em Washington, comentou que parte do sucesso chinês na África se deve a uma abordagem mais pragmática em relação ao continente, que ainda guarda rancores e cansaço das “lições de moral” europeias, nas palavras de Monga.

Para ele, outros emergentes, como Brasil e Índia, têm grandes possibilidades a explorar em solo africano.

Ele também elogiou a iniciativa de abertura de embaixadas e representações diplomáticas pela África. Monga disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve “visão política” ao realizar tal movimento.

R7- É sua primeira vez no Brasil. Qual é a impressão que você tem do país? Ele o faz lembrar do local onde você nasceu?

Céléstin Monga – Sim, do pouco que eu pude ver, que não é representativo de todo o Brasil, é uma mistura do Camarões na vegetação, nas árvores, na geografia, da Europa, um pouco pela alegria de viver, que temos um pouco quando passamos por algumas cidades da Itália ou da França, e ao mesmo tempo, um desejo de rigor. Há uma vontade de ser bem organizado, mesmo que sintamos que há uma pressão, há uma vontade. Somos bem tratados, as relações de trabalho são o suficiente rigorosas, e apesar do trânsito, as pessoas ainda são gentis. Quando vejo o trânsito, lembro de Washington, as pessoas são bem disciplinadas. Então, é uma mistura um tanto quanto bizarra de diferentes locais e eu gosto muito.

R7 – [risos] Mas o trânsito não é talvez tão ordenado assim. Agora, vamos falar de Brasil e África. O governo de Lula abriu diversas embaixadas em uma série de países africanos. Isso foi muito criticado, temos realmente chances de fazer bons negócios na África?

Monga – Sim, eu penso que o Brasil tem até mais chances, primeiro por causa dos elos históricos e culturais, que são enormes. E o Brasil tem uma grande vantagem, porque temos países na África onde a língua oficial é o português – e sei que os brasileiros já estão muito presentes nos países lusófonos como Moçambique e Angola. Mas, além destes laços histórico-culturais, há o mito do Brasil. Para quase todos os africanos, o Brasil é uma espécie de paraíso e não há nenhum africano que eu conheça que pense que um dia vá ao Brasil e isso é algo além do futebol.

R7- Como assim, como funciona esse mito?

Monga – É a ideia que as pessoas tem sobre o Brasil, o que fantasiam sobre o Brasil. Claro que sei que se trata de um país que, evidentemente, conheceu a escravidão, a colonização, e tem dificuldades para realizar a integração racial, e, mais do que isso, a social, porque há muitos pobres que são brancos no Brasil. E há negros que são ricos, não é simplesmente uma questão de cor de pele. Mas, o Brasil no imaginário africano, é um lugar onde se conseguiu uma reconciliação sem violência. Já os Estados Unidos, por exemplo, tem uma história de violência racial e ainda hoje, em 2010, encontramos ainda a divisão. Corretamente ou não, os africanos pensam que tais problemas existem, mas que há um desejo de resolvê-los de uma maneira que não seja muito violenta. Por todas essas razões, inclusive o futebol – e poderíamos passar o dia falando disso – já que os camaroneses pensam que há duas grandes equipes no mundo – o Camarões e o Brasil – e que todo o resto não importa muito. Quando a equipe brasileira joga, os camaroneses, em todos os lugares, a acompanham como se fosse sua equipe. Por todas essas razões, eu acredito que o Brasil tem muitas vantagens.

R7 – E estamos aproveitando de tais vantagens?

Monga – No entanto, eu não acredito que o Brasil seja agressivo o suficiente. Eu acho que o presidente Lula teve a visão, a lucidez, de empurrar essa agenda, mas os brasileiros ainda não são muito visíveis na África. E os brasileiros têm muitas coisas a nos mostrar, como a agricultura, por exemplo. A agricultura brasileira é muito desenvolvida, as experiências, a técnica acumulada, claro, com os erros e as faltas que vêm disso, mas com as soluções para tais falhas, e hoje o Brasil está em uma situação na qual ele pode mostrar muito aos países africanos e também pode, claro, aprender coisas destes países. O Brasil tem uma vantagem enorme, mas precisa trabalhar mais nisso, fazer uma política de cooperação mais agressiva, mais visível. Mesmo em relação à suas relações públicas, o país tem um grande número de personalidades públicas muito admiradas, no domínio dos esportes, mas também das artes. Podemos utilizar essas pessoas na África não apenas para falar de futebol ou música, mas também para divulgar a cooperação por meio destas personalidades muito admiradas. Creio que há muito a fazer nesse domínio.

R7 – E por que o Brasil já não faz isso?

Monga – Posso apenas ser especulativo, porque não conheço suficientemente a situação, mas me parece que o Brasil ainda tem um complexo de culpa em relação a África. Eu creio que a memória da escravidão ainda não foi completamente descartada. E a situação dos negros no Brasil, que ainda coloca questões preocupantes, é algo que precisa ser administrado, e está sendo, eu espero, mas ainda não foi feito. Então, tenho a impressão de que há ainda esse complexo de culpa em relação à África. Mas não é apenas isso. Eu creio que há também a ideia de que talvez o Brasil não tenha muito o que aprender com a África e isto é um erro. Tenho a ideia de que o Brasil queira fazer concorrência ao que chamamos de grandes países emergentes, notadamente a Índia e a China, menos a Rússia, mas o Brasil funciona ao mesmo tempo como líder e concorrente destes países. Isto é bom como ambição, mas creio que o Brasil pode ir mais rápido economicamente se ele for capaz de estabelecer relações com a África, porque é um continente que tem atualmente 1 bilhão de pessoas. Não se trata de fazer relação com um pequeno país, e esse é o tratamento muitas vezes dado à relação do Brasil com a África, mas a África é um continente, composta por muitos países diferentes…

R7- Mas isto também não é um problema, pois se trata de 1 bilhão de pessoas muito diferentes, em países muito variados.

Monga – Sim, mas se o Brasil vem com um objetivo simples, que é de fazer negócios e estabelecer relações culturais, as coisas se farão de forma simples em qualquer grupo social ou étnico. Tudo mundo tem o mesmo interesse quando o objetivo é simples e claramente estabelecido. Se o Brasil vem a um país na África, como a Nigéria, por exemplo, que tem 150 milhões de habitantes, que é muito federal, ou seja, que as decisões são muitas vezes tomadas no nível local, podemos imaginar que os municípios brasileiros possam desenvolver relações com as localidades nigerianas diretamente, a nível municipal. Não é necessário de passar sempre pelo nível central, o federal, onde as coisas são sempre mais complicadas. Podemos estabelecer por questões precisas, planos bem determinados, coisas concretas, facilitando a unanimidade.

 

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“Eu creio que há também a idéia de que talvez o Brasil não tenha muito o que aprender com a África e isto é um erro.”  Céléstin Monga, pensador camaronês


 

R7 – Mas isso não resolve a complexidade africana...

Monga – A África, é verdade, é complicada, em cada país há muitas diferenças, é tudo muito complexo, mas os problemas são muitas vezes os mesmos. Mas quando temos objetivos muito específicos podemos chegar a eles sem muitos problemas. Veja os chineses, eles têm muito sucesso na África, porque eles não se colocam muitas questões, eles não querem dar lições. Eles não chegam, como os ocidentais, para dizer o que você tem de fazer. Eles chegam com o discurso de tivemos tal problema, vocês o tem agora, podemos ajudá-los a resolver, se isso os interessa, e queremos aquilo. É assim, sem lição de moral. Eles não dão lição de governança política, claro que a China é muito criticada por isso. Justamente porque se estima que ela fecha os olhos aos problemas de violação de direitos humanos.

R7 – Lula também foi muito criticado em sua última visita à África, sobretudo por fotos com alguns chefes de Estado.

Monga – É verdade, mas é necessário ser concreto. Precisa-se ir à África para fazer coisas precisas e depois poder mostrar o que foi feito. O problema dos ocidentais na África é que estão lá um século, dois, três ou mesmo quatro e, em muitos países, eles não têm nada o que mostrar hoje. Como se pode explorar um país durante dois séculos, colonizá-lo e depois, no balanço, não se pode mostrar resultados concretos, enquanto que os chineses estão lá há poucos anos, mas qualquer que seja a crítica que lhes façamos, eles podem mostrar uma grande rodovia e dizer que tal estrada, que liga, por exemplo, duas grandes cidades do país, eles que construíram. Então, podemos fazer não importa qual crítica, mas eles têm resultados concretos e é disso que a África precisa agora, de resultados concretos. Não queremos mais simplesmente lições de moral, queremos resultados.

R7 – E quando você fala dos ocidentais, você se refere especificamente aos europeus, não?

Monga – Sim, exatamente. Inclusive, os primeiros que chegaram na África foram os portugueses e o nome do meu país, Camarões, vem daí. Eles chegaram a Duala e encontraram muitos camarões e então batizaram o rio que corta a capital de rio dos Camarões. Depois os portugueses foram embora e chegaram os alemães, que tinham um pouco a mesma atitude dos chineses, mas claro com muito racismo, mas tentaram construir estradas, linhas férreas, mas após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), eles foram embora porque os franceses e britânicos os obrigaram. Após isso, franceses e britânicos ficaram no país e em um século, não podemos mostrar um grande resultado desta presença. Há a língua, há algo na educação, mas, em termos de qualidade de vida, a população, bom…

R7 – E há ressentimento contra eles?

Monga – Há um ressentimento muito antigo contra os franceses. Sobretudo na África francófona. Há um grande sentimento contra os franceses porque temos a impressão de que não há resultados concretos e há muitas lições de moral, muitos insultos. Os africanos não querem mais isso, eles querem pessoas com quem possam trabalhar, obter resultados e fazer coisas precisas.

 

 

 

Fonte: R7

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