Duas adolescentes contaram que foram acusadas de furtar uma caneta na loja Enfoque Papelaria, que fica no Ilha Plaza Shopping, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio. Um funcionário da loja teria ainda impedido as meninas de 12 e 13 anos de deixar a unidade, mesmo depois de ver que elas não estavam com o objeto.
As imagens das câmeras de segurança da unidade também comprovaram que as adolescentes não furtaram nada.
As famílias das jovens apontam que a abordagem, feita no dia 23 de dezembro, foi uma situação de racismo.
“Ele não tocou nelas, mas também não deixou elas saírem da loja. O funcionário disse que elas estavam em ‘situação suspeita’. Suspeita de quê? Várias meninas brancas, loiras, mexendo em tudo e não eram suspeitas, por que elas seriam? Duas adolescentes arrumadas e comportadas são suspeitas? Por que elas são negras?”, questionou uma das mães.
A abordagem
O funcionário chegou a revistar as bolsas das meninas, mas, mesmo depois de perceber que elas não estavam com nenhuma caneta, as impediu de ir embora.
“A gente ia sair da loja e ele não deixou, sendo grosso, e mandou a gente abrir a bolsa. Na minha bolsa tinha dinheiro, eu nunca ia roubar, pelo amor de Deus, ainda mais uma caneta. Ele não ficou satisfeito e ele queria que a minha amiga abrisse o bolso da minha saia”, contou a menina de 13 anos.
Salinha da revista
Uma vizinha que passava pela loja viu a situação e alertou as mães das meninas, que também estavam no shopping, para irem ajudar as crianças.
“A gente foi para o fundo da loja pedir ajuda a uma funcionária, ela disse que a gente tinha que ir para uma salinha para ser revistada lá. Graças a Deus que uma vizinha viu e foi chamar nossa mãe”, completa a adolescente mais velha.
Gerente ofereceu brinde como desculpa
Ao irem ao encontro das filhas, as mães se depararam com as meninas chorando, desesperadas e o gerente da loja decidiu checar as imagens de segurança do local. Ficou comprovado que as meninas não haviam furtado nenhum produto.
Em uma tentativa de se redimir com as vítimas, ele ofereceu um brinde de qualquer valor e livre escolha das meninas como pedido de desculpas.
“A gente não queria nada, não queria brinde nenhum. Disse que não precisava de nada deles e acionei o 190 para ir para a delegacia. Tivemos que sair de lá de viatura”, contou a mãe da jovem de 12 anos.
A adolescente mais velha, de 13 anos, está muito abalada e, segundo a mãe, ainda está compreendendo tudo que aconteceu.
“Minha filha está muito assustada e constrangida com tudo que aconteceu com ela. Foi uma situação que eu não desejo para nenhuma mãe, para ninguém. Jamais imaginei passar por isso, ela é uma mocinha, uma boa filha. E ele não admitiu que foi racista, mas olhando a situação inteira, não tem como não pensar que não foi por isso. As pessoas são cruéis”, disse a mãe da menina.
Situação suspeita por mexer em canetas
Ela contou ainda que a filha sofre com questões psicológicas, e faz tratamento para crises de ansiedade e depressão. A jovem vinha demonstrando melhoras, mas, a situação desestabilizou o emocional da adolescente e precisou de reforço no acompanhamento com a psicóloga.
“Ela está muito sonolenta, apática. A gente está nessa luta. Isso acabou com meu Natal. Ela não quer mais ir em papelaria, pediu para comprar os materiais pela internet. Talvez seja um dano que ela vá carregar para o resto da vida”, lamentou a mãe.
A mãe da jovem de 12 anos disse ainda que o shopping não prestou apoio às famílias envolvidas, nem fez nenhum tipo de contato. Em nota enviada ao g1, o shopping informou que tentou contato com as responsáveis das meninas via rede social, mas não obteve sucesso.
“O Ilha Plaza Shopping ressalta que tem como prioridade o bem-estar dos seus clientes e entende que quaisquer atitudes preconceituosas devem ser combatidas por todos. Solicitamos, pelo canal que nos foi aberto, via Instagram, o contato da responsável, mas não obtivemos retorno. O shopping reitera que não compactua com o episódio ocorrido dentro da loja, lamenta por ele e reforça a total disponibilidade às clientes e às autoridades.”
O caso foi registrado na 37ªDP (Ilha do Governador). De acordo com a Polícia Civil, diligências estão em andamento para apurar todos os fatos.
A equipe de reportagem do g1 tentou contato com a Enfoque Papelaria, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Nas redes sociais, o responsável pelas redes sociais do empreendimento falou sobre o caso que causou revolta, e gerou protestos de outros pais.